• Ícones do PMDB e artífices da redemocratização brasileira, eles são hoje a maior influência para a gestão Temer
Antonio Carlos Prado – Revista IstoÉ
Michel Temer assume a Presidência do Brasil e, com ele, pode-se dizer numa figura de linguagem que o PMDB chega ao comando do governo pela primeira vez, desde a redemocratização do País em 1985. José Sarney, que reabriu o ciclo de presidentes civis interrompido com a instauração da ditadura militar em 1964, ocupou o Palácio do Planalto devido à morte do então presidente eleito Tancredo Neves. Sarney, no entanto, era considerado por seus pares um “peemedebista pela metade”, uma vez que atravessara o regime de exceção ao lado dos ditadores. Espelha bem a situação incômoda de Sarney o fato de ele nem discursar quando de sua filiação ao PMDB, temeroso de ser vaiado. Também Itamar Franco, que assumiu após o impeachment de Fernando Collor, embora essencialmente democrata e competente, não possuía tradição no partido.
Não faltará quem diga que o PMDB participou de muitos governos como aliado. Tudo bem. Mas uma coisa é aliar-se ao presidente, outra bem diferente é ter o presidente em suas fileiras, como ocorre agora com Temer, apto a administrar inspirado em dois ícones da legenda e artífices da redemocratização: Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Ele poderá valer-se do legado deixado por ambos, legado que começou a ser construído num passado distante. Importante que se olhe então para tal passado, e faz-se isso a partir de um apelido. Corria o ano de 1965 e a ditadura engessava a política no bipartidarismo. Pela situação criou-se a Arena; contra o regime nasceu o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e daí veio a elogiosa expressão: o MDB é “manda brasa”.
A lição de Pinheiro Machado
Tanto o paulista Ulysses quanto o mineiro Tancredo tinham o dom da conciliação e cultivavam também a coragem do enfrentamento na defesa de seus ideais. Em ambos vestia perfeitamente bem o ensinamento do senador Pinheiro Machado, citado com destaque por Érico Veríssimo em “Solo de clarineta”: “Nunca vá tão depressa que possam pensar que você tem medo, nem vá tão devagar que possa parecer provação”. Assim eram os habilidosos Ulysses e Tancredo, assim continuaram a sê-lo de janeiro de 1980 para frente, quando o regime admitiu novos partidos e a sigla ganhou um P. Estava fundada aquela que seria uma das maiores legendas da América Latina, o PMDB, que atualmente engloba cerca de 2,5 milhões de filiados. Ulysses era mais bravo,Tancredo mais bem humorado. Para relembrar dois momentos, ainda na ditadura, Ulysses enfrentou certa vez centenas de policiais e cães aos gritos de “baioneta não é voto e cachorro não é urna”. Tancredo, quando varreduras em seus telefones indicavam grampos, dizia não ter problema: “ao telefone só combino encontro amoroso, e ainda assim dou o nome do lugar errado”. Diversos no humor, eles eram idênticos, no entanto, no ideário democrático, o mesmo que norteia Temer. Como Ulysses e Tancredo, também Temer tem o dom da conciliação e do enfrentamento; como Tancredo e Ulysses, também Temer tem longa experiência legislativa; mas, diferentemente deles, Temer vive a vantagem de as instituições democráticas estarem funcionando.
Tancredo e Ulysses não ocuparam a Presidência da República, embora seus destinos tenham tragicamente se cruzado em relação a esse cargo. Eles foram, em 1984, a alma do movimento que pedia eleição direta para a Presidência, conseguiram que os brasileiros quase que unanimemente vestissem camiseta amarela pelas “Diretas Já”, mas quis o Congresso que a eleição da transição se desse no colégio eleitoral (derrota da emenda Dante de Oliveira). Tancredo ganhou mas não tomou posse devido à uma infecção generalizada que o matou em abril de 1985. Pela Constituição, Ulysses deveria ser empossado por ocupar o cargo de presidente da Câmara (sua 11 ª legislatura), e é nesse ponto que registra-se a dimensão de estadista: sabedor de que haveria resistência ao seu nome nos quartéis, Ulysses preferiu garantir para os brasileiros a transição democrática e cedeu a vez a José Sarney. Ulysses deu ao País a Constituição de 1988 (uma das mais avançadas do planeta na garantia dos direitos fundamentais) e morreu quatro anos depois, em um feriado de Nossa Senhora, numa queda de helicóptero no mar. O PMDB de Ulysses e Tancredo tem agora a chance de ser resgatado por Temer, também ele um de seus líderes históricos. E que, com certeza, cumprirá essa missão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário