- Folha de S. Paulo
O instinto do escorpião é ferroar. O ministro Geddel Vieira Lima acha normal ter uma conversinha sobre imóvel de seu interesse, encrencado no patrimônio histórico, com o colega da Cultura.
Às favas as cautelas do decoro. Que se dane a hiper-reatividade da opinião pública às carteiradas das autoridades. Os tempos sugerem recato aos poderosos, em nome da sua própria sobrevivência, mas ainda assim o escorpião ferroa.
O ambiente também recomenda autocontenção na busca pelo poder, além de impessoalidade, regularidade e literalidade na aplicação das leis. A despeito disso, Rodrigo Maia lança-se na aventura de ativar heterodoxias jurídicas para arrancar a possibilidade de concorrer a mais um mandato como presidente da Câmara.
O "espírito do fatiamento", alusão à manobra liderada por Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros que deu à luz o impeachment sem pena de inabilitação, parece prestes a fecundar novas criaturas.
A lógica labiríntica da conveniência deseja fatiar o caso de Maia para liberar sua reeleição. Atua também para isolar o julgamento das contas de campanha de Michel Temer, como se o vice não se elegesse com o titular em disputas majoritárias.
Temer teve os mesmos 54,5 milhões de votos de Dilma Rousseff, o que legitimou sua posse após o impeachment, mas não quer ser responsável pelo financiamento que viabilizou aquela votação. Mais uma tarefa para os fatiadores da República.
Ações e reações instintivas das autoridades, como essas, exacerbam a aversão geral contra os políticos. Essa ira difusa, por sua vez, é um celeiro de pretensões autoritárias, como o clamor por vingadores iluminados vindos de fora da política.
Com renda e emprego em longo e profundo declínio e governos quebrados, decanta-se o caldo de cultura para patologias institucionais danosas. Muitos políticos, porém, continuam dando ferroadas por aí.
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