- Valor Econômico
• "Não se usa receita variável para despesa corrente", diz Fitch
É cedo para encontros de confraternização de fim de ano. Mas, de tão congestionada, a agenda de autoridades de áreas pública e privada parece antecipar o Natal. Sem entusiasmo ou harmonia. A demissão do agora ex-ministro da Cultura Marcelo Calero e sua fulminante substituição pelo deputado Roberto Freire (PPS-SP) na sexta-feira instauram uma crise de dimensão federal no governo Temer formalizado, em definitivo, há três meses.
Calero deixou a pasta acusando o ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria do Governo e muito próximo de Michel Temer, de tê-lo pressionado a elaborar parecer técnico favorável para viabilizar projeto imobiliário em Salvador, Bahia. Geddel negou ter feito pressão sobre o ex-ministro da Cultura que considera "claramente um caso de corrupção" a pressão que diz ter sofrido do colega da Esplanada.
Nesta semana, o ministério de Michel Temer estará desfalcado devido à Missão de Alto Nível a França e Espanha para apresentar as oportunidades de investimentos em infraestrutura no Brasil. Compõem a comitiva o ministro Moreira Franco, que lidera o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o ministro dos Transportes, Maurício Quintela, e o ministro de Minas e Energia Fernando Coelho, além dos secretários Marcelo Allain e Rogério Teixeira Coimbra.
Essa missão internacional para encontros com investidores poderá ampliar a atenção externa sobre o país, uma vez que devem ser potencializadas as repercussões das mortes de quatro policiais militares na queda de helicóptero da corporação. Havia suspeita de que a aeronave tivesse sido abatida a tiros, mas o secretário de Segurança do Rio disse que não foram encontrados sinais de disparos.
Essa tragédia - somada à prisão de dois ex-governadores do Estado do Rio, Anthony Garotinho e Sergio Cabral - é mais uma lamentável representação de um Rio de Janeiro arrasado que poderá ser citado em dois de três grandes eventos marcados para esta segunda-feira: reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão); seminário da Fundação Getulio Vargas, "Reavaliação do Risco Brasil", em parceria com a Standard & Poor's, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e Valor; e o II Fórum de Cidadania Financeira, na sede do Banco Central, em Brasília.
O Conselhão é um órgão que reúne governo, representantes da sociedade civil e sindicalistas e foi instituído pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do seu primeiro mandato, na década de 2000. A ex-presidente Dilma Rousseff pouco acionou o Conselhão. Já o presidente Michel Temer está reativando o órgão por considerar imprescindível a ampla participação da sociedade nas discussões que tratarão da agenda nacional.
O Estado do Rio é o tema do momento que poderá ser abordado no seminário sobre risco Brasil. O Rio, protagonista de uma crise financeira dos Estados brasileiros a 40 dias do fechamento oficial de suas contas, também foi alvo de debates de várias instâncias do governo federal em busca de alternativas de ajuda ao Estado
Na sexta-feira, provocou reação instantânea do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em Nova York, a afirmação feita pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, de que parte dos R$ 100 bilhões devidos pelo BNDES ao Tesouro - em parcelas de R$ 40 bilhões este ano, R$ 30 bilhões em 2017 e R$ 30 bilhões em 2018 - poderiam compor a ajuda ao Rio. Meirelles negou que a possibilidade exista. Na semana passada também cresceu a ideia de securitização da arrecadação futura que o governo estadual terá com royalties do petróleo.
Daniel Rittner, repórter especial do Valor, apurou que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deve analisar em sua próxima reunião, prevista para a primeira quinzena de dezembro, o pleito de mudança no cálculo dos royalties pagos pela indústria petrolífera. Os parlamentares alegam que o Rio deixa de arrecadar R$ 2 bilhões por ano, em média, e pressionam por mudança como forma de aliviar a crise do Estado.
No Rio, a repórter Claudia Schüffner ouviu do secretário de Fazenda do Rio, Gustavo Barbosa, que ainda não existem garantias de que o Estado vá concluir nova operação de securitização com alienação da receita futura de royalties e participação especial (PE) sobre a produção de petróleo.
Em entrevista à coluna na semana passada, Rafael Guedes, diretor-geral da Fitch Ratings, ao ser questionado sobre os royalties do petróleo a que têm direito os Estados, fez uma observação categórica - quase um mandamento para as agências de classificação de risco de crédito: "Não se deve usar receitas variáveis para cobrir despesas correntes." A tentação pode transferir para o futuro o mesmo problema de falta de receita para suportar as despesas.
"O preço do petróleo não é problema", diz Guedes. "O problema é acionar mecanismos de ajuste que não vão resolver questões estruturais de financiamento do Estado do Rio que "não tem tamanho compatível com a estrutura das despesas".
Paulo Fugulin, diretor internacional de Finanças Públicas da Fitch Ratings, pondera: "No Brasil, o arranjo federativo dá muito poder à União e menos poder aos Estados. A capacidade dos Estados tomarem decisões que os afetem é muito menor. Isso é diferente do que ocorre na Argentina e outros países. Na Argentina, as províncias existem antes do governo nacional. Isso quer dizer que em uma situação em que a previsão de receitas não se confirma, as despesas de caráter continuado seguem. Algumas despesas são descoladas das receitas, como a Previdência, cujas despesas têm crescimento orgânico."
O diretor da Fitch lembra que os Estados brasileiros ainda têm possibilidade de fazer leis em seu benefício. "Criar empresas para emitir debêntures pelo fluxo de dívida ativa; aumentar a contribuição previdenciária dos servidores; elevar alíquotas de recolhimento do ICMS".
Fugulin reconhece que é difícil afastar ou isolar o componente "má gestão" de todo o resto em uma situação em que há quase a impossibilidade de Estados ajustarem suas despesas à receitas quase estagnadas. "Em 2015, a projeção de crescimento dos Estados era 4,5%. Como se ajusta esse PIB ao longo do ano?", pergunta o especialista da Fitch.
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