- Valor Econômico
• Há um novo poder real, o do povo, em qualquer meio
No horizonte de cada dia surge o que neste cenário político brasileiro adquiriu maior clareza e o que ainda está mergulhado na sombra, mercê do imponderável. Hoje, tal exercício aponta um quadro favorável ao presidente Michel Temer.
Primeiro, aos boatos: Temer seria derrubado de seu mandato constitucional de presidente da República, a que ascendeu legalmente, por ação de impeachment da titular, tendo como fato determinado pressão sobre o ex-ministro da Cultura para favorecer interesse particular de um amigo.
Essa situação é algo completamente fora de cogitação. Principalmente se a razão do pedido for essa, sua argumentação no caso da tentativa de tráfico de influência do ex-ministro Geddel Vieira Lima. O que emergiu de sua participação no episódio, com explicações pormenorizadas por ele próprio, não tem força para se contrapor à força que o presidente reuniu no Congresso e ao respaldo de uma equipe econômica de governo de reconhecida competência, empenhada em tirar o Brasil da recessão e promover o crescimento.
A única hipótese de deposição de Temer, no mandato curto de transição para 2018, é o julgamento no TSE da cassação da chapa Dilma/Temer, o que só deve ocorrer, se ocorrer, do meio para o fim do próximo ano. A falta de candidatos óbvios à eleição presidencial indireta, situação que adviria dessa impugnação dupla, desestimula a operação e alimenta mais especulações. A de ontem, nesse particular, foi em torno da iminente escolha da ministra Cármen Lúcia como presidente da República, uma vez que o Congresso não aprovaria Nelson Jobim ou Fernando Henrique Cardoso para o mandato tampão. É incêndio em copo d'água. Mais fácil ser Henrique Meirelles, ou Rodrigo Maia, do que a presidente do Supremo.
Temer anunciou e está executando um plano de administrar a crise dando respostas aos desejos do eleitorado. No domingo, emitiu sinais de que caiu na real: se muitos dos ministros do seu governo sucumbirem com a delação da Odebrecht, examinará caso a caso e nomeará outros, recompondo a gestão com políticos e não políticos que não tiveram acesso direto a recursos ilegais de financiamento de campanha.
Se as gravações de conversas de ministros e do presidente, que tratou como indignas, feitas pelo diplomata Marcelo Calero, comprometerem seu ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, ele também sairá, como saiu Geddel. Mas enquanto não vem a íntegra do grampo, o ministro da Casa Civil fica.
A sua redução de trabalho é uma recomendação médica, há dois meses, quando teve um grave pico de hipertensão, que ontem voltou a se repetir. Por isso, Moreira Franco, secretário Executivo do Programa de Parcerias de Investimentos, está mais atuante no gabinete do presidente da República, não porque já seja o substituto de Padilha.
Desde domingo o governo está respirando melhor do que antes. As transparentes e diretas entrevistas do novo ministro da Cultura, Roberto Freire, assumindo o que é preciso ser feito sem preocupações com suscetibilidades da ativíssima corporação da área é outro indício da percepção de que o governo respira novos ares. Freire é uma autoridade em área conflagrada que não demonstra medo.
A reação combinada dos presidentes da Câmara e do Senado que, ao lado do presidente da República, anunciaram a retirada do apoio à anistia aos crimes eleitorais foi um ensaio da compreensão de que o poder mudou de mãos: está com os que cobram respeito ao seu voto. "Temos que ouvir a voz das ruas. O poder não é nosso, é do povo", disse Temer ao anunciar acordo para evitar a anistia ao crime eleitoral.
Até agora, os políticos não haviam dado sinais de que perceberam as mudanças do Brasil. Não se trata de nova política como apresentada na retórica de campanha eleitoral. É a nova prática da dignidade, da correção, do respeito na política. É não colocar o Brasil em situação de vexame diante da sociedade nacional e internacional.
Distraídos por muitos fatos contundentes em sentido contrário - em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva ainda foi reeleito presidente da República, gloriosamente, em pleno mensalão -, o eleitorado não havia tomado conhecimento da profundidade do fosso ético, moral e político que já se constatava. Em 2010, Lula elegeu Dilma e em 2014, com a Lava-Jato já em adiantado estado de exposição dos políticos e empresários financiadores de campanha, ela foi reeleita.
É possível que muitos não tenham percebido as transformações desde 2013 porque os black blocs, como nas manifestações de ontem, confundiram um pouco a identificação do protesto. Já na fase do impeachment, tudo se clareou, reforçado pelos fatos: prisão anterior e condenação de José Dirceu, condução coercitiva de Lula, prisão de empreiteiros antes inatingíveis, grampos reveladores de combinações espúrias de proteção dos amigos.
Não há espaço para corporativismo exarcebado e injustificado, que ainda assola o setor público do país, nos Três Poderes, notadamente no Judiciário que, ainda ontem, ganhou mais uma defesa veemente da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Não há mais espaço para proteção camuflada de cúpulas partidárias apanhadas em delito. Privilégios para funcionários públicos, magistrados, parlamentares, ex-presidentes, juízes, procuradores, engolidos como inexoráveis até outro dia, não são mais tolerados. A naturalidade com que se aceitava que um concursado do Judiciário, já no segundo mês de trabalho, estourava o teto salarial, tem agora o poder de provocar revolta imediata.
Práticas irregulares aceitas como normais no meio político, e até fora dele, são condenadas. Os grampeados em conversas, autorizadas ou clandestinas, para investigações ou para favorecer projetos pessoais, como os casos recentes, não viram o tempo passar. Há Carolinas em todos os Poderes.
O que antes era apenas uma temeridade, agora é um risco real, de prisão e de condenação.
A ruptura dos costumes políticos não é radical e drástica, no Brasil ainda não tem guerra, mas seus sinais são eloquentes.
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