- O Estado de S. Paulo
• ‘Em momentos de extrema dificuldade, cabe repensar certos preceitos e preconceitos’
“Turn him to any cause of policy,
The Gordian Knot of it he will
unloose,
Familiar as his garter”
Shakespeare, Henrique V, Ato 1 Cena 1. 45–47
A dívida e os déficits dos Estados, a dívida e o déficit da União, as reformas do governo Temer, a política monetária, a política. Eis o nó górdio que ninguém parece capaz de desatar.
Dia sim, outro também a imprensa noticia a dramática situação das finanças regionais. Como as famílias infelizes de Tolstoi, cada Estado tem uma infelicidade diferente. Alguns têm imensos problemas na despesa com pessoal – seja porque a folha salarial subiu excessivamente, seja porque pagam demais aos servidores inativos, seja porque sua previdência está sobrecarregada. Em 2015, 15 Estados brasileiros excederam o limite de gastos com pessoal em relação à receita líquida estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Parte disso deve-se ao aumento da despesa, mas outra parte deve-se à queda da receita, problema que aflige com mais intensidade Estados como o Rio de Janeiro, dependente das agruras do setor de óleo e gás.
O Ministério da Fazenda e o governo têm tentado negociar soluções com os governadores, mas a verdade é que a situação é tão dramática que remediar de imediato é tarefa impossível. Governadores exigem que parte dos recursos da repatriação seja a eles destinada para que possam – em alguns casos – retomar o pagamento de servidores públicos, enquanto o governo pede contrapartidas, salvaguardas e compromissos. O impasse, sobretudo ante o agravamento da crise política nas últimas semanas, ameaça o País com o espectro da convulsão social generalizada provocada pelo colapso dos serviços públicos. Os cenários para 2017 tornam-se, rapidamente, cada vez mais sombrios.
Não há solução mágica para o problema dos Estados brasileiros, assim como não há bala de prata que resolva os problemas fiscais da União. A controvertida PEC que prevê a adoção de limite para os gastos só vale alguma coisa se vier acompanhada de sua outra perna, a reforma da Previdência. Não há clareza sobre quando isso irá acontecer, especialmente agora que a crise política retornou a pleno vapor. Ainda que venham as duas, sabe-se que os efeitos das reformas apenas se consolidariam bem mais à frente, deixando pouca margem de manobra no curto prazo para que o governo ofereça aos Estados a tábua de salvação que reivindicam.
Enquanto isso, o governo está cada vez mais enrolado com os escândalos que surgem tanto à sua volta quanto dentro de seu núcleo duro, enfraquecendo-o prematuramente e jogando por terra a tese de que a recuperação da economia está a caminho. Se estiver, certamente não será com a intensidade que se imaginava há pouco mais de dois meses.
Na verdade, quando se perscruta o conjunto de problemas do Brasil, conclui-se duas coisas: primeiramente, que analistas, economistas e membros do governo continuam a subestimar os efeitos da corrupção e da crise política na economia; em segundo lugar, que o quadro para 2017 permite que se vislumbre não apenas crescimento abaixo de 1%, mas possivelmente a continuação da recessão, ainda que bem menos intensa que a queda do PIB observada nesses últimos dois anos.
Em meio a tudo isso, volto a uma questão que tenho salientado com insistência: qual o papel da política monetária? Entre os colunistas de economia no Brasil parece ter virado tabu a ideia de que o Banco Central possa intensificar os cortes de juros, ainda que não se tenha clareza sobre os rumos fiscais do País. Contudo, em momentos de extrema dificuldade, cabe repensar certos preceitos e preconceitos. Ante a queda da inflação e a redução das expectativas, a política monetária, hoje, continua a promover intenso aperto das condições monetárias com as quais empresas endividadas, entre outros setores, não podem mais arcar. Ou seja, ao fazer quase nada na redução dos juros, o Banco Central contribui para elevar as taxas de juros reais, uma vez que preços e expectativas já reagem à brutal realidade da economia brasileira.
O Banco Central não é nenhum Henrique V. Mas, ainda que não possa desatar o nó górdio, será que não está na hora de parar de contribuir para aumentá-lo?
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*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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