O presidente Michel Temer assumiu com baixo capital político, mas contava com o início da virada na economia, propiciada pela confiança em sua equipe na área, para aumentá-lo. O episódio da saída do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, indicou que parte desse capital foi consumido em um momento difícil para o Planalto, o de reversão das expectativas econômicas positivas. A iminência da homologação da delação de Marcelo Odebrecht e seus 70 executivos certamente trará mais agruras ao governo, já que deverão elevar as suspeitas sobre dois dos três restantes membros de seu círculo íntimo, que ocupam o centro do poder: Eliseu Padilha, ministro chefe da Casa Civil, e Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos.
Ao suceder um governo de um partido assolado por denúncias de corrupção, em meio ao maior escândalo da história republicana, seria razoável supor que o presidente e sua equipe tivessem conduta exemplar nesse quesito. Não é o que ocorre. Romero Jucá, alvo de processos no Supremo Tribunal Federal, teve de deixar o Ministério do Planejamento após gravações revelarem que ele se preparava para arquitetar alguma manobra para "estancar a sangria" da Lava-Jato. Agora, foi guindado a líder do governo no Senado, e com uma "pegadinha" na votação da reabertura do programa de regularização de ativos no exterior, propiciou que fosse nele incluída a categoria de contribuintes mais aflita para ter esse direito - a dos parentes de políticos.
O caso de Geddel Vieira foi, porém, emblemático e mais grave. O ministro fez tráfico de influência em benefício próprio. Supostamente, comprou um apartamento em edifício de alto luxo que obteve primeiro permissão de construção pela sucursal baiana do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para ser embargado a seguir pelo Iphan nacional. Geddel foi tratar do assunto com o ministro da Cultura, Marcelo Calero, que sentiu a pressão e após idas e vindas ao presidente Temer, se demitiu. Calero foi à imprensa e colocou o presidente na história.
Tanto Geddel quanto o presidente Temer reconheceram em público seu envolvimento na questão, com argumentos singelos. Na explicação oficial de Temer, a defesa de interesses privados de Geddel se converteu em "conflitos entre ministros de Estado". Além disso, recomendou a Calero que encaminhasse o caso à Advocacia Geral da União, "para solucionar eventuais dúvidas entre órgãos da administração pública". Eliseu Padilha, da Casa Civil, conversou com o ministro e também sugeriu que ele batesse na mesma porta, a da AGU.
Assim, o núcleo do poder da República mobilizou-se para atender a negócios privados de um ministro poderoso, um dos muitos caciques do PMDB a quem falta currículo abonador - esteve envolvido nas traficâncias dos anões do Orçamento em 1993, no primeiro grande escândalo após o fim da ditadura.
Em reação ao desgaste provocado por doses de prepotência e autoconfiança, o presidente reuniu no sábado o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para dizer ao público que "um ajustamento institucional" com o Legislativo havia sido feito para "se for possível, impedir a tramitação de qualquer proposta que vise à chamada anistia" ao caixa dois. Ao ouvir o que chamou de "voz das ruas", Temer disse que os dois Poderes resolveram barrar a manobra que, até a véspera, contava com a simpatia dos presidentes da Câmara e do Senado e seguia em frente com o beneplácito do Planalto.
Temer reconheceu na entrevista que a crise, que "caiu no meu colo", "ganhou uma dimensão extraordinária". De fato, foi um desastre para o presidente. O PSDB correu em socorro do governo. O senador Aécio Neves atacou Calero por supostas gravações por ele feitas. Fernando Henrique voltou a comparar o governo Temer a "uma pinguela" e para atravessar o precipício da crise, "é o que temos".
É surpreendente que em meio a uma grave crise política e econômica, o núcleo do governo se veja ameaçado por práticas nada republicanas e não se comporte à altura que a situação exige. Após a saída de Geddel, na segunda-feira, o presidente mencionou que "qualquer fatozinho" gera instabilidade. Como demonstração de confiança, é uma declaração temerária. Ao subestimar as lições do caso Geddel, o presidente abre caminho para novas crises, enquanto o espaço de tolerância a erros de sua administração vai progressivamente diminuindo.
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