- O Estado de S. Paulo
O presidente do Senado, Renan Calheiros, vai fechando seu período no posto com chave que não é de ouro, mas de material a ele assaz familiar: o cinismo. Aquele mesmo usado quando do rompimento com Fernando Collor, de quem havia sido líder na Câmara, procurando dar a impressão de que se afastava por razões éticas quando, na verdade, rompia em reação ao corte de recursos recebidos via Paulo César Farias para a campanha ao governo de Alagoas em 1990, depois que Collor deixou claro o apoio ao adversário, Geraldo Bulhões.
Daí em diante fez carreira nacional à custa da ingenuidade, da complacência e da cumplicidade alheias: foi ministro, note-se, da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, quatro vezes presidente do Senado, uma renúncia ao cargo para escapar da cassação e campeão na quantidade de inquéritos acumulados no Supremo Tribunal Federal, que amanhã examina o primeiro de uma série de 12. Está prestes a tornar-se réu na ação em que figura como receptor de propina de empreiteira e usuário de documentos falsos.
Pois nessa condição é que se faz (na ótica dele) porta-voz da defesa dos interesses nacionais. De um lado, partindo da correta premissa de que é necessário atualizar a legislação que responsabiliza civil, criminal e administrativamente atos de abuso de poder para atingir o torpe objetivo de mostrar aos órgãos de investigações quem é que manda. De outro, ontem partindo com truculência verbal para ataques ao sistema político, segundo ele, “fedido, falido, caquético, alvo de desconfiança da sociedade”.
Mesmo? Não fosse Renan Calheiros a dar o alerta continuaríamos a viver a ilusão de que o modelo pelo qual sua excelência e companhia se elegem, mandam e desmandam há anos seria cheiroso, florescente, vigoroso, objeto da mais absoluta confiabilidade na opinião do público. Determinados políticos quando fazem esse tipo de diagnóstico e defendem com veemência uma remodelação total nos meios e modos na política remetem à anedota do sujeito que rouba uma carteira e sai gritando “pega, ladrão”, no intuito de desviar de si as atenções.
Calheiros e demais mandachuvas do setor tiveram todo o tempo do mundo para consertar os defeitos que apontam. A começar pelas respectivas condutas. Não fizeram porque não quiseram. Uma reformulação virá, mas não nos moldes formais (e acanhados) propostos pelo Congresso.
Nascerá da incorporação na sociedade do sentido do primeiro artigo da Constituição: o poder emana do povo e, portanto, em seu nome deve ser exercido.
Como assim?. Não obstante a fama de cioso, Michel Temer não tem feito jus a ela em suas últimas declarações. No programa Roda Viva disse que eventual prisão de Lula causaria “instabilidade” no País; na conversa com Marcelo Calero, assentou que a “política tem dessas coisas” quando posto diante de uma tentativa de tráfico de influência; nesta semana, disse a empresários que “fatozinhos” não devem ser considerados, pois o País não tem instituições sólidas.
Registre-se, porém: os problemas surgidos em seu Ministério não são aceitos pela população como fatos menores, enquanto que os dois processos de impeachment presidenciais vividos pelo Brasil seguidos de substituições ao figurino constitucional, a atuação dos órgãos de investigação e independência do Judiciário demonstram o oposto à avaliação sobre as instituições feita pelo presidente, a cuja lista de expressões impróprias poder-se-ia acrescentar o “reajustamento institucional” anunciado por ele para retirar o apoio que havia dado à anistia aos usuários de caixa 2.
Mais bem posicionado Michel Temer teria ficado se tivesse tomado essa atitude antes da ordem dada pela “voz das ruas”.
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