Italo Nogueira – Folha de S. Paulo
RIO - O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), atribuiu parcialmente o fracasso de seu candidato à sucessão no cargo, Pedro Paulo (PMDB), ao "bullying político" sofrido pela cidade durante a crise no Estado.
"Teve um ano de bullying político com o Rio de Janeiro, de cobertura de mídia. [...] Quando tem o país em crise, violência, falha na prestação de serviço público, quem está no poder tende a perder popularidade", disse ele.
Apesar disso, ele diz não considerar o resultado da eleição um termômetro da avaliação de seu governo. Atribui a derrota também a erros de estratégias de marketing, que o excluiu da campanha, e à investigação contra Pedro Paulo por agressão à ex-mulher, arquivada no Supremo Tribunal Federal.
"Imaginava que, declarada a inocência dele, fossem entender que ele era vítima de uma acusação falsa."
Paes não quis comentar o desempenho de Pezão como governador, nem mesmo as acusações contra Cabral, seu principal padrinho para chegar à prefeitura em 2008.
Vendo como "caminho natural" uma candidatura ao governo do Estado, ele defendeu o PMDB como alternativa "num quadro político sem sentido como" o do Brasil.
"É um partido que permite uma certa liberdade de posições, opiniões. Não é vertical", diz.
Leia a entrevista
• Folha - O sr. teve uma gestão marcada por obras, mas o senador Marcelo Crivella (PRB) venceu a eleição com o slogan 'Chegou a hora de cuidar das pessoas'. Chegou essa hora?
Eduardo Paes - Toda escola que eu fiz foram para as pessoas. Fiz 300. Todas as 140 Clínicas da Família foram para as pessoas. Os cerca de 150 km de BRTs atendem a 500 mil pessoas. O Porto Maravilha, os túneis que fiz, os bairros que pavimentei são usados pelas pessoas.
• Por que esse discurso não ajudou seu candidato?
Há um conjunto de fatores que podem explicar a derrota do meu candidato. Não acho que seja nem de longe as realizações da prefeitura. Teve a acusação feita ao Pedro. Imaginava que, depois de declarada a inocência dele pelo [procurador-geral da República, Rodrigo] Janot, pelo Supremo [Tribunal Federal] e pela Polícia Federal, fossem entender que ele era vítima de uma acusação falsa, de uma questão pessoal, conjugal no caso.
Acho que a situação do país atrapalha muito quem é governo, quando tem crise econômica, recessão, desemprego. A situação do governo do Estado, o não pagamento de servidores... E erros também do meu governo.
Com tudo isso, cria um ambiente de grande dificuldade. Houve erros da campanha, de comunicação...
• O sr. não insistiu por muito tempo em razão da relação de amizade que tem com ele?
Longe de mim. Tenho muito mais amigos do que o Pedro. Tenho melhores amigos do que o Pedro. Apostei no melhor quadro para governar a cidade. Podia ter apoiado o Crivella. Ganhava a eleição. Mas não achava que o Crivella me representaria aqui na prefeitura do Rio.
Ele era o favorito, tinha me apoiado em 2012, por que não poderia apoiar o Crivella? Se eu tivesse pedido para ele vir para o PMDB, ele teria vindo e seria candidato por aqui. É uma hipótese que nunca se cogitou. Não queria ganhar por ganhar. Queria que ganhasse alguém que tivesse condições, num momento difícil para o Brasil, de conduzir as coisas.
• Não era um candidato ruim? Até o marqueteiro da campanha [Renato Pereira] disse que a chance de ganhar era pequena.
Eu parto da premissa de que as pessoas são acusadas, nós homens públicos temos que nos colocar à disposição do julgamento, e quando é inocentado, imagina-se que as pessoas vão entender. Esse era o passivo pessoal do Pedro. Mas ele foi inocentado.
• Mas havia um risco, ainda que com a solução jurídica.
Confesso que após a absolvição pelo Janot, pela Polícia Federal, e o Supremo, te confesso que não imaginava.
• O sr. ficou por muito tempo distante da campanha.
Foi uma estratégia de comunicação do Renato Pereira, do nosso marqueteiro. Muita gente discordou, o próprio Pedro e eu discordamos também. Tentei entrar, mas já estava tarde.
• Foi tarde ou o sr. não conseguiu mudar o cenário?
Não acho que sou nenhum salvador da pátria, mas acho que poderia ter vinculado. Comecei a ver isso na rua quando as pessoas perguntavam qual era o meu candidato. Vi que não estava muito claro. Não vencemos a eleição. A gente não precisa ganhar todas as eleições. A gente perde às vezes.
• Algumas frases suas acabaram atingindo sua imagem. Maricá, [a sugestão para uma beneficiária de uma casa] trepar, 'O importante na Olimpíada sou eu'...
Mas essa [última] é uma frase polêmica? O importante na Olimpíada foi a prefeitura do Rio. Sou prefeito há oito anos. Nos últimos seis meses, muito a partir daquela ligação com o presidente Lula, sobre Maricá, pelo qual me desculpei apesar de ser uma ligação privada, ficou esse negócio.
É claro, teve um ano de bullying político com o Rio de Janeiro, bullying de cobertura de mídia. A presidente da República sofrendo impeachment, um presidente interino entrando, um governador com câncer e um governador interino entrando no lugar dele. A prefeitura tocou 90% das Olimpíadas. Se não fosse a prefeitura não tinha Olimpíada.
Fui oito anos prefeito. [As outras frases] Foram uma exagerada informalidade minha que colocadas sem contexto são mal interpretadas. E delas eu me arrependo.
• Nessa conjuntura de bullying a prefeitura foi afetada?
Naquele momento fiquei sozinho defendendo a Olimpíada. Defendendo, um clima de desconfiança enorme. [As pessoas dizendo que] Não vai ficar pronto, zika, que as pessoas vão morrer ao tocar na água de Copacabana. Foi um período muito honroso, mas de muito trabalho.
• Essa conjuntura afetou a eleição?
Quando tem o país em crise, violência, falha na prestação de serviço público, quem está no poder tende a perder popularidade. As pessoas tendem a querer mudar.
• A Olimpíada gerou menos capital político que o sr. imaginava?
Não, ao contrário. Diria que até mais, dado o fato dela ter ficado tanto nas minhas costas, e dado o sucesso enorme, caiu no meu colo. Ganhei mais crédito do que imaginava inicialmente.
• Mas não conseguiu transferir para o seu candidato.
Já disse as razões da derrota.
• O que significa a eleição do Crivella para o Rio?
Significa que vamos ter um sujeito chamado Marcelo Crivella aqui na prefeitura a partir de janeiro de 2017. Um senador da República que já teve cargo administrativo, ministro da Pesca, e que me parece ser um homem de bem. Tenho com ele uma relação muito positiva, não tenho nenhuma dificuldade no convívio pessoal.
Discordamos do ponto de vista político, de visão de mundo em relação a algumas questões, mas que tem tudo para ir bem. Torço para que vá bem.
• Por que na campanha o sr. o chama de bispo e, depois, senador?
Porque na campanha você quer realçar a origem do candidato. O máximo de crítica que fiz ao senador Crivella... Nunca fiz uma crítica à Universal ou ao bispo [Edir] Macedo, nem ao senador Crivella. Dizia que ele representa o projeto de poder de uma igreja. O bispo ajudava a realçar isso.
• Ele representa o projeto de poder da igreja?
Ele tem ligações com a igreja, alguma coisa a ver com o projeto de poder. Espero que ele seja maior. A vitória dele mostrou que ele pode ser maior do que a igreja. Torço que ele faça o que disse na campanha, que não seria um preposto da Igreja Universal. Não tenho nada contra a Universal. Já tive apoio dela. Quero ter outras vezes na vida. Acho que tira um monte de gente de situações tristes, ruins, mas espero que ele seja mais amplo que a igreja.
• O sr. vê risco de mistura de política com religião na gestão dele?
Não vou ficar especulando.
• O sr. decretou a umbanda como patrimônio imaterial do Rio...
Agora não posso mais fazer nada, porque vão dizer que é por causa do Crivella. Estava caminhando lá no Instituto do Patrimônio e veio para cá. Acho justo o reconhecimento.
• Qual seu futuro político?
Meu caminho natural é ser candidato a governador em 2018. Falta tanto tempo ainda... Vou ficar fora no ano que vem. Um período de estudos, reflexão, escrever, ler mais, ficar um período distante... E aí eu volto. Provavelmente no fim do ano que vem, ou início de 2018. Aí é a hora de tratar de eleição.
Tem muita coisa para rolar. Vai que eu gosto de vida acadêmica, resolvo virar um intelectual escrevendo semanalmente na Folha analisando a conjuntura política brasileira e jogando pedra nos outros?
• É possível vencer uma eleição no PMDB mesmo na atual situação no Rio?
Acho que sim. O partido tem registro na Justiça Eleitoral. Qual partido está com uma situação boa? O PSDB? O PT? O DEM? Qual vantagem que vejo no PMDB? Num quadro político tão sem sentido como esse, é um partido que te permite uma certa liberdade de posições, opiniões. Não é um partido vertical. Tem vários PMDBs. Não vejo dificuldade em ser candidato pelo PMDB, se for.
• O sr. defenderia a gestão do [governador Luiz Fernando] Pezão e do [ex-governador Sérgio] Cabral?
Deixa o Pezão tocar esses dois anos da administração dele para ver.
• O que o sr. acha desses dois primeiros anos?
Não vou virar comentarista nem de governo Pezão, nem de Crivella. Em 2018, trato de discutir o Estado.
• O sr. não quer defender seus aliados?
Eu defendo. Não estou querendo comentar o governo do Pezão. Não quero virar comentarista político.
• Recentemente foi divulgado que Cabral recebeu de presente um anel do empreiteiro Fernando Cavendish. O que sr. achou desse caso?
De novo, não vou ficar comentando essas coisas.
• Por quê? O sr. sempre o defendeu.
Ele já deu o esclarecimento. Vou comentar o esclarecimento dele?
• O sr. pretende mudar de partido?
Eu sou do PMDB. Se eu pretendo disputar uma eleição, pretendo disputar no PMDB. Se algo muito diferente na vida eu posso até disputar em outro lugar. Já até mudei de partido algumas vezes na vida. Minha ideia não é essa.
• Há um fenômeno de candidatos que usam a imagem de "não-político" vencendo eleições. Como o sr. avalia esse movimento?
Digo isso desde 2013. A gente vive uma crise profunda da democracia representativa. A gente faz o mesmo modelo desde o século 14 num mundo totalmente mudado. As pessoas acham que a saída é escolher um não-político. Esse não-político gerará o mesmo tipo de frustração, em razão da crise da democracia representativa.
Daqui a quatro anos, o [presidente eleito dos EUA, Donald] Trump não vai mais poder dizer que não é político. Vamos ter que desenvolver cada vez mais mecanismos de diálogo intenso com a sociedade, com mais participação das decisões.
• O que o sr. pretende fazer nos Estados Unidos?
Vou fazer um visitor scholar na Universidade de Columbia. Vou fazer algumas palestras. Quero seguir algumas aulas, acompanhar alguns grupos de trabalho sobre determinados temas, muito mais voltados para o Brasil, temas urbanos. Estou conversando com outras instituições para trabalhar, fazendo consultoria para instituições públicas que me convidaram. Não tem palestra para empresa privada, nem empreiteira.
• É bom um prefeito que marcou de alguma forma a cidade sair do país e do cenário político local no momento atual do Rio?
Não tem muita estratégia política nisso.
• A falta de estratégia política não indica um desinteresse?
Preciso trabalhar para pagar minhas contas. Como não decidi não continuar na política, não vou para a iniciativa privada aqui. Porque vai gerar problema ali na frente. Sempre sonhei, quando me formei em Direito, estudar numa universidade americana. Acabei entrando cedo na política e não fui. Acabei recebendo esse convite da Columbia.
Tem também um pouco mais de contato com a minha família. Sou político há muito tempo, tenho dois filhos pequenos. Um momento também de reflexão. Disputa há 20 anos eleição. Quero refletir, pensar, escrever e viver um pouco a minha família. E é bom dar uma afastada daqui. Vou fazer o quê? Ficar chateando o prefeito que entrou? Preciso trabalhar, ganhar dinheiro, pagar os leites das crianças, e é uma super oportunidade.
• Qual a expectativa de viver nos Estados Unidos sob Trump?
Espero que ele não faça todas as coisas que ele falou na campanha, principalmente em relação aos latinos. Afinal de contas: 'Yo soy latino'. Torço para que ele dê certo.
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