Donald Trump colocou no radar dos mercados financeiros globais uma preocupação que havia desaparecido nos últimos oito anos e que continuava submersa no futuro próximo: inflação. Sua inesperada vitória trouxe à tona suas promessas eleitorais de estímulos fiscais e um amplo programa de gastos de infraestrutura, de US$ 1 trilhão em uma década, reiterado em discurso da vitória. Acompanhadas de suas críticas à política monetária cautelosa do Federal Reserve, compõem um quadro de mais déficit fiscal, mais crescimento (no curto prazo) e mais inflação. No parco programa exibido por Trump na campanha eleitoral, esses pontos formaram um núcleo constante e tudo indica que ele buscará executá-los. Os efeitos prováveis dessas intenções sacudiram os mercados ontem.
Os investidores não tinham corrigido os preços dos ativos levando em conta uma vitória de Trump. A correção pode ter começado pelos mercados de bônus. Ainda que os planos de Trump possam ser um mistério até para ele mesmo, a perspectiva de inflação de maior fôlego e de aceleração das altas de juros tem um potencial turbulento. Os spreads entre os títulos soberanos de 10 anos e de 30 anos nas maiores economias, como EUA e Alemanha, tornaram-se quase desprezíveis com os programas de afrouxamento monetário. Após a eleição de Trump, voltaram a subir em um movimento que pode causar estragos se for rápido demais.
A perspectiva de uma "trumpflation", como a batizou o "Financial Times", mudou um cenário que se vislumbrava modorrento, no caso de vitória democrata nas eleições presidenciais. Ontem, o rendimento dos títulos do Tesouro americano de 10 anos foi o maior desde meados de janeiro, atingindo 2,1% e o dos Bunds alemães de 30 anos foram na mesma direção, a 0,96%, o mais alto desde abril. As apostas expressas em índices futuros de juros futuros mostram reforço (84%) da expectativa de aumento de juros pelo Fed em dezembro.
A expectativa de maior inflação elevou a curva de juros futuros, com o aumento dos spreads entre juros de curto e longo prazos. A média de inflação projetada em cinco anos para os próximos 5 anos nos EUA foi de 2,5%, acima da meta do Fed e de 1,5% na zona do euro (nesse caso, a mais elevada em 8 meses.
Com US$ 11 trilhões em títulos soberanos com rendimento negativo circulando nos mercados, reversões abruptas de cenário podem ter resultados desagradáveis. O choque com Trump pode marcar uma guinada em relação ao passado e, para alguns, finalmente a entrada em cena dos necessários estímulos fiscais para socorrer a política monetária, após ela ter se revelado impotente para relançar o crescimento.
A dívida pública subiu muito nos países desenvolvidos e quase dobrou de tamanho nos últimos 8 anos nos EUA, para US$ 14 trilhões, o que motivou uma cautela excessiva em relação ao uso da arma fiscal. O pacote de obras de Obama, lançado em 2009, foi de US$ 809 bilhões. Trump promete um maior agora, com o qual pretende criar 2,5 milhões de empregos, financiado com dinheiro público e simultâneo a abatimento geral de impostos para empresas e para os mais ricos.
Os efeitos de um pacote fiscal de estímulo no início da crise financeira e no que parece ser o fim dela são bem diferentes, porém. Os EUA chegaram perto do pleno emprego (5%), com crescimento moderado, ainda que abaixo do potencial (2,9% no terceiro trimestre), e salários começando a crescer acima da inflação que, pelas previsões do Fed, só chegarão a 2% em 2018. Um pacote de Trump aceleraria tudo isso: dívida, crescimento e inflação. No caso da inflação, ela ganharia estímulo extra se o novo presidente colocar em prática seu inacreditável programa protecionista.
O Fed já indicou que os juros subiriam em dezembro. Poderia recuar em caso de turbulências nos mercados, desde que as expectativas inflacionárias continuem contidas. Pode não ser mais o caso. A perspectiva de aumento de juros mais rapidamente trouxe nova onda de valorização do dólar, uma combinação indigesta para os países emergentes. O dólar chegou a subir até 5,5% ontem diante do real. Com a reavaliação dos ativos nos mercados de dívidas, há o temor de que não se trate de instabilidade passageira, mas de transição para um novo ambiente muito diferente, com inflação e juros em posições opostas das que tiveram nos últimos anos. Os mercados fizeram um ensaio geral sobre isso ontem.
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