O governo federal parece ter conseguido, com algum atraso, dar os primeiros passos para pôr ordem na algazarra fiscal dos Estados e encaminhar uma solução duradoura. A Câmara dos Deputados tinha retirado quase todas as obrigações dos Estados na renegociação das dívidas. Ontem, em reunião entre o presidente Michel Temer e os governadores, foi feito um acordo em que a União aceitou repartir as multas arrecadadas com o programa de legalização dos recursos no exterior, em troca de um ajuste fiscal sério nos Estados e de uma reforma na Previdência, que será feita nos moldes da que for aprovada pelo Congresso. Os compromissos aceitos pelos Estados para receber R$ 5 bilhões adicionais decorrentes das multas serão incorporados ao projeto de renegociação que tramita no Senado.
Os Estados avançaram nos gastos correntes, especialmente nos com pessoal, há bom tempo, mas a conta ficou mascarada pelos ganhos de arrecadação decorrentes do período de bom crescimento da economia nos anos Lula. Um limite parece ter sido atingido em 2012 e ele foi contornado pela autorização dada pelo governo de Dilma Rousseff a 21 Estados, independentemente de sua capacidade de pagamento, para que captassem dívidas de R$ 58 bilhões. Pelos cálculos do FMI, as operações de crédito estaduais saíram de 0,11% do PIB em 2011 para 0,81% do PIB em 2015. Pode parecer pouco, mas esse dinheiro abriu espaço fiscal para mais gastos correntes. Ou seja, o aumento de despesas com pessoal foi financiado indiretamente por empréstimos.
O total da dívida bruta dos Estados chegou a 14% do PIB em 2015, sendo que 15% do total se referem a empréstimos externos, cuja conta subiu 40% apenas pelo efeito da desvalorização do dólar.
Em números absolutos, se o governo federal quisesse equacionar a dívida dos Estados, teria de se concentrar em 4 deles (SP, Minas, Rio e Rio Grande do Sul) e no município de São Paulo, que concentram 82% dos débitos. Com Paraná, Goiás, Bahia, Pernambuco e Santa Catarino, chega-se a 91% da dívida total. Dessa forma, o problema parece ser menos generalizado do que se poderia supor - São Paulo, por exemplo, detém 30% do estoque. Porém, quando se observa a dívida em relação aos PIBs estaduais, a situação muda de figura, como observa o FMI. Maranhão (17%), Mato Grosso do Sul (16,3%), Piauí (16,2%) e Alagoas apresentam a maior taxa relativa. A dívida desses Estados declinou entre 2008 e 2010, estabilizou-se até 2013, voltou a subir, em parte pelo aumento da dívida externa.
Além da elevação acelerada dos gastos com pessoal, os Estados, que se recusam até hoje a racionalizar e unificar o ICMS, perderam receitas com a guerra fiscal. Segundo o FMI, a receita com ICMS nos 10 Estados mais endividados caiu de 5,4% para 4,6% do PIB entre 2005 e 2015. A recessão fez seu estragos, assim como a queda nos royalties, especialmente para o Rio, mas os incentivos fiscais foram peça importante para o aumento dos déficits.
Formou-se a tempestade perfeita: recessão, queda dos preços do petróleo, desvalorização do real, aumento generalizado de gastos correntes e, por último, mas não menos importante, os rombos previdenciários. Os déficits previdenciários estão disparando, o que é verdade também para a União. Pelo menos por um indicador, a situação do Brasil se parece com a da Grécia. Pelo critério da taxa interna de retorno (a diferença entre o que um cidadão pagou e o que retira após se aposentar), a despesa previdenciária grega é a maior de todas - a do Brasil é a terceira. Para o FMI, levando-se em conta a estrutura demográfica, os gastos com a Previdência em 2015 no Brasil é um dos maiores entre 100 países avaliados.
No caso dos Estados, a conta cresceu bastante - e rapidamente. Pensões mais gastos com a folha saltaram em média 50% nos 27 Estados e mais de 70% no Rio entre 2009 e 2015. Aumentos reais do salário mínimo contribuíram muito para essa expansão. Mas as despesas com pensões estão fora de controle e têm a dianteira. Só no Rio e Santa Catarina as despesas com funcionalismo avançam quase ao mesmo ritmo das aposentadorias, ambas bem acima da inflação. Em quase todos os demais Estados os dispêndios com a previdência crescem em maior velocidade.
Só uma reforma da previdência pode resolvê-la. Além disso, a União deveria condicionar o socorro à ideia original de um acordo para arrumar o sistema tributário estadual, via unificação do ICMS. A crise é a melhor oportunidade para isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário