Houve um certo nervosismo no mercado com a aparente derrota do governo do presidente interino, Michel Temer, na votação do projeto de renegociação das dívidas estaduais na Câmara na semana passada. Os deputados suprimiram o artigo que proibia aos governadores conceder aumentos aos servidores por dois anos. Essa era uma das duas contrapartidas que o governo queria para dar alívio aos Estados no pagamento das dívidas renegociadas com a União. A outra é limitar as despesas estaduais à correção da inflação do ano anterior, tal como propõe a PEC do teto para os gastos da União.
Em entrevista ao Valor, publicada na sexta-feira passada, Temer disse que aquela exigência retirada do texto pela Câmara foi uma espécie de "bode", como se convencionou chamar os artigos mais polêmicos de um projeto que são colocados intencionalmente para depois serem retirados no processo de negociação. O presidente interino considerou o artigo suprimido um "dispositivo absolutamente dispensável" e informou que ele foi incluído atendendo a pedido dos próprios governadores. "Para que eles pudessem dizer: olha, isso veio de Brasília", explicou, em referência ao argumento que seria utilizado pelos Executivos estaduais quando estivessem sob pressão do funcionalismo.
O argumento de Temer é que os Estados, assim como a União e os municípios já estão submetidos a limites para o gasto com pessoal fixados em lei complementar, por determinação constitucional. Ele lembrou que o artigo retirado do projeto era a repetição de um artigo da Constituição. "É que ninguém dá importância para a Constituição", observou. "O governador não pode deixar de cumprir isso, sob pena de perder o cargo".
Temer afirmou que uma de suas preocupações é com a "reconstitucionalização" do país, para que se possa restabelecer as instituições. Para ele, as pessoas precisam ter consciência do que é um governo democrático, quando há poderes distintos que legislam, jurisdicionam e executam.
A votação do projeto que permite, mais uma vez, a renegociação das dívidas dos Estados mostra o estilo da administração Temer. O presidente interino parece agir como fosse um líder congressual. Por isso, não se deve esperar posições intransigentes do governo na sua relação com a base parlamentar. Se consagrado no cargo com a aprovação final do impeachment de Dilma Rousseff, Temer exercerá uma presidência congressual.
Ele está mais afeito ao jogo partidário do que a presidente afastada Dilma Rousseff e até mesmo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois ocupou por três vezes a presidência da Câmara dos Deputados. A disposição de Temer à negociação lembra mais o estilo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Tem que dialogar. Foi o que eu mais fiz nesse período (da interinidade), graças aos 24 anos que eu passei lá: restabelecer o diálogo com o Legislativo", disse Temer, acrescentando que até agora não deixou de aprovar nenhuma matéria que encaminhou ao Congresso.
Na entrevista ao Valor, Temer foi bastante enfático ao afirmar que não será candidato à reeleição em 2018. Recentemente, houve uma preocupação grande dentro do próprio governo, principalmente na área econômica, depois que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que Temer será o candidato à presidente do grupo que deu força ao processo de impeachment de Dilma e que sustenta atualmente o governo. O receio foi que a afirmação de Maia aumentasse as dificuldades para a aprovação das medidas do ajuste fiscal.
Explicou que não será candidato justamente para ter a liberdade de adotar as medidas necessárias para recolocar o Brasil nos trilhos. Ele quer governar sem preocupação de asfaltar o caminho eleitoral. Ele disse ainda que não pretende esperar o término das eleições municipais de outubro para enviar o projeto de reforma da Previdência Social. "Não quero praticar estelionato eleitoral", assegurou.
As palavras do presidente interino refletem uma habilidade política que pode ser de grande valia para ajudar o país a sair da enrascada em que foi colocado. A disposição para o diálogo é indispensável, mas é indispensável também que as negociações tenham rumo. Elas não podem resultar em medidas desconexas ou insuficientes para colocar um ponto final no descalabro a que chegaram as contas públicas.
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