- Valor Econômico
• Petroleiras têm passivo potencial de R$ 90 bi em multas
O próprio governo chegará dividido na reunião do comitê que decidirá por voto, na segunda feira, as regras de conteúdo local para os leilões de petróleo deste ano, tanto da 14º rodada quanto da eventual 3º rodada do pré-sal.
Há os que, como a área ligada à indústria, advogam ter, com algumas mudanças, um elevado coeficiente de conteúdo local para continuar protegendo a indústria; e há os que, como a Casa Civil e a pasta da Fazenda, defendem voltar, com ajustes, aos padrões das licitações feitas entre 1999 e 2002, durante o governo de FHC. Na ocasião, não havia exigência de conteúdo local mínimo, mas agora haveria.
Até 2002 as empresas é que decidiam, nos leilões de petróleo, o percentual de nacionalização e isso valia 15% da nota da licitação. Em geral, elas cumpriam entre 25% e 28% de conteúdo local global, que envolve as fases de exploração e desenvolvimento. A proposta é manter esse mesmo patamar agora. Na exploração do óleo em terra, esse percentual era bem mais elevado, chegando a casa dos 70%. Em águas profundas, caia substancialmente para chegar à média sempre abaixo de 30%.
Em 2003, com a chegada do governo Lula, começaram as mudanças. Introduziu-se a exigência de conteúdo local mínimo e aumentou-se o peso deste na nota do leilão dos 15% para 40%, mas a aferição continuou a ser global. Uma das mudanças defendidas agora é voltar para o modelo de conteúdo global e conteúdo mínimo igual ao que era obtido na era FHC.
Foi a partir de 2005 que o governo concebeu regras draconianas, ainda hoje em vigor, que elevaram a exigência de conteúdo nacional para a casa dos 60% a 70%. "Foram mudanças brutais que até hoje geram inúmeros contenciosos", explicou um representante do governo nas discussões.
A primeira alteração de grande impacto foi abandonar o que era medido de forma global e passar a aferir a obrigatoriedade de conteúdo nacional por itens e subitens, do afretamento de sondas à coluna de produção, do tipo de broca, ao sistema elétrico e de comunicações, entre dezenas de outros. São mais de 80 itens de conteúdo local a serem checados em cada projeto e foram criadas mais de 30 certificadoras para fazer esse trabalho.
Até 2004, o regime era fiscalizado por declaração de origem - a petroleira fazia uma compra de uma empresa, cuja produção era quase que integralmente com insumos domésticos, e atestava-se o cumprimento da exigência de conteúdo nacional pela característica da empresa.
De 2005 em diante a fiscalização passou a ser por investigação de cada nota fiscal pela certificadora. Mais recentemente o peso dessa exigência na nota do leilão caiu de 40% para 20%.
Entre 1999 e 2002 a maioria das empresas cumpriu as regras acordadas de conteúdo nacional global. Da sexta rodada de leilões em diante começaram a surgir problemas e todas as companhias de petróleo, inclusive a Petrobras, foram multadas por descumprirem as exigências.
Quando desobedecem aos índices de nacionalização, as empresas podem pedir um "perdão" à Agência Nacional do Petróleo (ANP), nos casos em que a diferença de preços entre o produto nacional e o importado for muito grande ou quando há atrasos na entrega pela indústria local. Nem sempre recebem o "perdão" da agência.
Em janeiro do ano passado, para dar uma saída às empresas - que acumulam passivo potencial de cerca de R$ 90 bilhões em multas pelo descumprimento do indice de nacionalização - o governo de Dilma Rousseff criou o Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural, conhecido como Pedefor.
O comitê diretivo do programa, com participação interministerial, é que vai se reunir na segunda feira para votar nas mudanças sugeridas pelo corpo técnico do Pedefor.
O programa é encarregado de analisar caso a caso as companhias que não conseguem cumprir o conteúdo local e decidir se as libera de multas. Elas podem ter como atenuante, por exemplo, terem agregado alguma coisa boa na economia, seja geração de empregos ou inovação tecnológica.
"O problema é que não há mão de obra capaz de analisar cada um dos projetos e dar vazão às demandas. Não têm engenheiros de petróleo e gás suficientes no governo para esse trabalho", comentou uma fonte que participa do Pedefor.
O lobby da indústria para deixar o indice de conteúdo local entre 55% e 70% e manter a aferição por itens e subitens é forte e encontra acolhida em uma ala do governo.
A regra que for aprovada na segunda feira terá que ser avalizada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e vai valer apenas este ano. Para o futuro, a discussão prossegue e, com certeza, vai depender do sucesso ou não da experiência dos leilões de 2017. Esse assunto deveria ter sido resolvido em dezembro do ano passado, mas não houve acordo entre as partes.
Há disputas até mesmo na formação do conselho do Pedefor onde, não se sabe ao certo por que, o Ministério do Planejamento tem assento mas não tem voto, enquanto que o BNDES e a Finep tem assento e voto. O comitê está rachado entre proteger a indústria - mesmo ciente de que ela não tem condições de atender a tempo às exigências de conteúdo local - ou incentivar a concorrência das petroleiras.
No mundo todo há exigência de conteúdo local no setor de petróleo. A questão é ter um sistema racional e exequível. O que está em vigor é tão mal sucedido que o governo teve que criar um programa para reverter problemas que ele próprio criou.
Ao afetar a curva de produção da Petrobras com os atrasos nas entregas das encomendas, a exigência de conteúdo nacional também produz prejuízos para a União, os Estados e municípios, que deixam de arrecadar com royalties e participações especiais. Calcula-se em R$ 500 milhões mensais as receitas que deixam de entrar no Tesouro Nacional e em R$ 10 bilhões o que o Estado do Rio deixará de receber entre 2014 e 2021.
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