- O Globo
Fachin é a chance de um julgamento técnico. O professor Luiz Edson Fachin dava aulas de Direito Civil na Universidade do Paraná. Era do tipo que não faltava, chegava na hora e dava prova objetiva. Um aluno que costumava anotar observações ao lado das respostas das provas foi surpreendido. Um dos colegas teve dúvidas sobre uma questão, e Fachin pediu ao aluno que anotava: “Leia a nota número 10 que você escreveu na sua última prova.”
O fato mostra um dos lados de Fachin: ele é detalhista. Capaz de lembrar até da anotação feita pelo aluno na margem de uma prova. Essa sua capacidade de prestar atenção a todos os detalhes será mais do que testada no enorme caso que ele passa agora a ser o juiz. Só os 77 delatores da Odebrecht deram 900 depoimentos. Fachin terá que tomar uma série de decisões que podem definir o destino da operação e da mais importante luta que o Brasil trava no momento.
Primeiro, ele terá que decidir se tira ou não o sigilo das delações da Odebrecht. Depois, precisa definir os desmembramentos, separando pessoas com prerrogativa de foro das que não têm essa prerrogativa. E, depois disso, escolher para onde vão os processos.
O que os fatos até agora mostraram é que nestes fatiamentos tudo pode acontecer: em Curitiba e no Rio, os processos andaram, mas em São Paulo, não. O caso Consist, que envolve a ex-ministra Gleisi Hoffmann, foi desmembrado para São Paulo e ficou praticamente parado. Não por alguma razão oculta, mas pela maneira como tem sido conduzido.
Fachin precisará, antes de tudo, de um tempo para se informar de todo esse imenso caso dos políticos envolvidos no escândalo de corrupção da Lava-Jato e navegar no oceano de novidades que sairá das delações. Ao mesmo tempo, a sensação da sociedade é de que no STF tudo anda devagar demais em comparação com a primeira instância. O STF tem todas as suas outras atribuições e os tempos são naturalmente mais lentos, mas a dimensão que tomou o caso indica que o país precisa dar um passo. O importante seria aproveitar o momento para rediscutir o alcance e a natureza da prerrogativa de função. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, alertou certa vez que se o STF tiver que julgar 300 pessoas com foro privilegiado levaria cinco anos só para isso. O novo relator poderá inclusive articular mudanças que atualizem o princípio da prerrogativa de foro. Isso tornaria o processo mais rápido e o seu trabalho mais eficiente.
O ministro Edson Fachin foi nomeado no meio da enorme polêmica causada pela divulgação de um vídeo em que, à maneira de um militante, pedia votos para a então candidata Dilma Rousseff e para o Partido dos Trabalhadores. Ao longo deste um ano e meio em que exerce as funções de ministro do Supremo Tribunal Federal, Fachin tomou decisões extremamente técnicas, por isso era a primeira opção dos que querem a manutenção da mesma orientação que vinha sendo seguida por Teori Zavascki.
Sua assessoria tem juízes definidos na categoria “garantistas”, e isso pode levar várias das suas decisões a serem mais a favor dos réus da Lava-Jato, mas nada que levante as preocupações que a escolha de outros ministros poderia levantar. O ministro Celso de Mello tem reconhecida competência, mas se ele fosse o escolhido no sorteio poderia acontecer uma de duas coisas: ele não aceitar pelo volume de trabalho, ou ele aceitar e o processo perder velocidade. O ministro é considerado muito tradicional na administração do gabinete e por isso seus processos acabam sendo muito lentos. Os outros três da Segunda Turma — Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes — já demonstraram de forma mais ou menos explícita que discordam da maneira como a Lava-Jato está sendo conduzida. De todos, o que mais se temia que fosse escolhido era Ricardo Lewandowski. Ao longo do julgamento do Mensalão, nos seus duelos com o ministro Joaquim Barbosa, deixou claro que se dependesse dele a Ação Penal 470 não teria levado à condenação dos réus.
Fachin assume a relatoria dos processos no momento em que o caso de combate à corrupção chega ao seu ponto crucial no STF. Essa é a hora em que a Lava-Jato atinge a cúpula do poder executivo e do poder político e em que ela se espalha por vários partidos. O ministro relator terá que ficar atento a cada um dos milhões de detalhes dessa luta, apartidária, de modernização do Brasil.
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