Por Raphael Di Cunto e Fabio Murakawa | Valor Econômico
BRASÍLIA - Reeleito com 57% dos votos no primeiro turno, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá um mandato mais independente do governo nos próximos dois anos, dizem aliados que participaram ativamente da campanha. Essa postura não deve comprometer a agenda de reformas do presidente Michel Temer, até porque Maia é entusiasta delas, mas afetará outras negociações.
A comissão especial que discutirá a reforma da Previdência será instalada na terça-feira, com a presidência do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) e relatoria de Arthur Maia (PPS-BA). A aliança com a oposição, em especial o PCdoB, porém, fez Maia rever seu calendário, que antes era aprovar tudo até abril. "Será votada o mais rápido possível, garantido o debate e a transparência. O que significa isso? Eu não sei. Espero que seja até o meio do ano", afirmou.
Já a reforma trabalhista terá o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) como relator. O acordo com a oposição é para que tramite nas comissões, onde a discussão sobre o projeto será aprofundada, sem que requerimentos de urgência levem o assunto direto para o plenário.
Mas recuos como não votar mudanças na Lei de Repatriação devido à pressão do governo, por exemplo, não devem se repetir, preveem aliados. Na época, Maia articulou projeto que visava alterar pontos criticados por tributaristas, bancos e interessados em regularizar bens não declarados no exterior, mas, para não melindrar o Palácio, acabou abandonando a ideia. A partir de agora, pelas conversas reservadas que aliados tiveram com o presidente eleito, a postura será mais firme ao pautar projetos com os quais o Executivo não esteja de acordo, mas que ele entender como corretos.
"Ele abaixou a cabeça para muita coisa porque sabia que sua maior chance de reeleição era se alinhar ao governo. Mas agora, com a liberdade de quem terá dois anos de mandato pela frente e o comando da agenda de votações, terá mais força para negociar as pautas de seu interesse", afirma um aliado. Contando com a simpatia de Temer e o apoio da maioria dos ministros, Maia recebeu 293 votos ontem, oito a mais do que os obtidos em julho, no segundo turno da disputa para suceder o ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
No primeiro discurso logo após reeleito, Maia negou que o governo tenha se movimentado em busca de votos para ele e disse a única contribuição do Executivo foi que deputados da base sabiam que, com ele, a agenda econômica do presidente Temer tramitará com mais tranquilidade. "A sociedade terá a certeza que a Câmara teve papel decisivo para aprovar as reformas", disse.
Seu principal adversário, o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), um dos principais integrantes do grupo que ficou conhecido como Centrão, teve 105 votos ao apostar num discurso mais corporativista, de defesa dos deputados contra "injustiças" e "agressões" externas. Juntos, os partidos que apoiavam o petebista somaram 39 deputados.
Jovair apostava em dissidências no bloco de 13 partidos e 360 deputados que apoiou formalmente a reeleição de Maia, já que o voto é secreto. Derrotado, preferiu não culpar Temer, a quem chegou a pressionar várias vezes para tentar evitar a interferência de ministros. "Não vou culpar o governo, vou culpar a falta de voto. Democracia é assim mesmo", resignou-se.
André Figueiredo (PDT-CE), que fechou aliança com PT e Rede, registrou mais traições dentro da oposição. Embora o bloco de apoio contasse com 82 deputados, o pedetista terminou com 59 votos. Parte expressiva do PT votou em Maia em troca da promessa de maior interlocução com o eleito e relatorias de projetos importantes, que são negociados pelo presidente da Casa.
Júlio Delgado (PSB-MG), que tentava forçar um segundo turno, teve 28 votos. Luiza Erundina (Psol-SP) recebeu dez apoios e Jair Bolsonaro (PSC-RJ), quatro.
O bloco de 13 partidos que se formou para a eleição dominou os principais cargos da Mesa Diretora da Câmara. Sem parlamentares de expressão nesses cargos, deputados mais experientes avaliam que a força do presidente será ainda maior sobre as questões administrativas.
Sem apoio formal de seu partido e do governo, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG) foi eleito primeiro vice-presidente ao derrotar em segundo turno seu colega de partido Osmar Serraglio (PR) por 265 votos a 204. A vitória expôs um racha na bancada pemedebista. Os dois lançaram candidaturas avulsas, desafiando o candidato oficial do PMDB, Lúcio Vieira Lima (BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que não conseguiu sequer passar do primeiro turno.
Um ponto que pode fragilizar o presidente eleito, por outro lado, é o Judiciário. Além de acusações contra ele na delação premiada da Odebrecht, a candidatura à reeleição foi contestada pelos adversários em mandados de segurança liminarmente rejeitados pelo ministro relator no Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, mas o mérito ainda não foi analisado.
Adversários alegam que a Constituição e o regimento da Câmara vedam a reeleição em uma mesma legislatura. Maia, por sua vez, diz que a regra não se aplica a ele porque a estar cumprindo mandato tampão. Mello acolheu a tese ao rejeitar os mandatos, mas o voto dos demais ministros, caso o assunto vá para o plenário, ainda não é conhecido.
A agenda da Câmara envolve pautas de conflito com o Judiciário, como a regulamentação dos ganhos salariais acima do teto e uma nova Lei de Abuso de Autoridade. Maia se comprometeu em pautar os assuntos, mas diz que o teor dos projetos dependerá dos relatores e não necessariamente criará tensão com os Poderes.
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