- O Globo
• Novo momento de otimismo na economia está amparado em condições objetivas mais favoráveis, mas ainda passa longe de permitir tirar conclusões mais assertivas
A súbita retomada do otimismo em relação ao desempenho da economia em 2017, ancorada na melhora ainda pontual de alguns indicadores recentes, mostra que nem todos os gatos escaldados têm medo de água fria. Já houve um momento semelhante em meados do ano passado, na esteira do impeachment e do programa de reformas neoliberais encaminhadas pelo governo de Michel Temer, o vice autodenominado decorativo que assumiu o lugar de Dilma Rousseff, a presidente eleita desastrada. Mas, logo se viu, era só fogo de palha, alimentado mais por expectativas e desejos do que por fatos e tendências consistentes.
Expectativas em alta e índices de confiança idem fizeram as projeções de mercado para o crescimento da economia embarcar numa viagem sem base na realidade entre o início efetivo do processo de destituição de Dilma e o fim do terceiro trimestre do ano passado. De 0,24%, em abril, as previsões de expansão do nível de atividades, em 2017, de acordo com o Boletim Focus, que reúne e organiza as projeções de uma centena de economistas, voaram até 1,34%, em setembro. Nessa época, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e sua equipe econômica anunciaram projetar alta de 1,6% para o PIB em 2017. Para conferir: Meirelles agora já fala em crescimento neste primeiro trimestre.
A reversão daquelas expectativas deu-se a partir de uma recaída da produção industrial, que vinha registrando indícios de recuperação. Agora, são novamente sinais positivos da indústria que impulsionam parte do renovado otimismo. O problema é que esses sinais, sobretudo em relação ao passo da recuperação setorial, ainda são ambíguos. Para os economistas do Banco Itaú, por exemplo, o cenário desde já é de crescimento do setor. Já os seus colegas do Bradesco trabalham com uma nova queda da produção industrial em janeiro, depois do respiro observado em dezembro.
Outra parte do otimismo recente pode ser creditada, até com mais razão, à linha descendente rápida que a inflação, nas asas da recessão, dá indicações de trilhar, reforçando as perspectivas de cortes mais agressivos nas taxas de juros. Não é só uma sensação de alívio no exército de famílias e empresas endividadas, mas sobretudo um efetivo ganho de poder aquisitivo que volta a impulsionar índices de confiança e ajudar na absorção de estoques.
É certo que o movimento agora é um pouco diferente — e está amparado em condições objetivas mais favoráveis. Ainda assim passa longe de permitir tirar conclusões mais assertivas. Primeiro, o desemprego, já em nível elevado, ainda vai escalar novas alturas antes de começar a refluir, se a economia de fato passar a andar mais rápido lá na frente — a possível melhora no desempenho econômico, num primeiro momento, tende a engrossar a taxa de desocupação. Depois, o endividamento de famílias e empresas ainda permanece muito elevado e, embora um processo de desalavancagem esteja em curso e possa ganhar ritmo se — e quando — os juros dos financiamentos acompanharem o recuo das taxas básicas, o grau esperado de redução das dívidas não será suficiente para tão cedo liberar disposição e recursos para o consumo ou o investimento.
Colocados lado a lado, as forças capazes de ajudar a economia a retomar um caminho ladeira acima e os vetores que atuam no sentido de frear esse impulso, no momento, mantêm os pratos da balança equilibrados. Para confirmar isso, basta cotejar a distância entre as projeções de duas equipes qualificadas de analistas de conjuntura: enquanto os economistas do Bradesco preveem expansão de 0,3% para o PIB, em 2017, os do Itaú projetam crescimento de 1%.
É possível que o comportamento da economia permaneça assim indefinido até pelo menos o segundo semestre, quando são esperados sinais mais claros de retomada. Mas essa retomada, muito provavelmente, se dará em ritmo lento e em pequenas doses. Repor o que foi perdido nos últimos três anos pode demorar outros três.
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