Sem um "motor" evidente de crescimento, a economia brasileira vai se arrastar para uma recuperação modesta com uma melhora gradual e lenta em várias frentes. A queda da inflação já melhora a renda dos assalariados e os salários já esboçaram alguma reação positiva no último trimestre do ano, na comparação com o anterior. A inadimplência começa a cair e o consumo reagirá um pouco mais à frente. O saldo comercial foi excepcional para janeiro (US$ 2,76 bilhões) e em 12 meses encostou em US$ 50 bilhões. O investimento, candidato natural a puxar a expansão, estagnou, mas há promessas de reanimação das concessões de infraestrutura.
A súbita mudança de humor de analistas e investidores pode ser apenas isso - melhores expectativas. Uma onda semelhante ocorreu após a posse de Michel Temer, quando os índices de confiança voltaram a subir e a economia seguiu em recessão. Os sinais agora são um pouco mais consistentes. A inflação joga um papel central no ritmo da recuperação, isto é, ela ditará a cadência da redução dos juros. Boa parte dos economistas e consultorias participantes da pesquisa Focus achava que a inflação estouraria o teto da meta de 6,5% em outubro - fechou o ano em 6,29%.
Ainda que seja inegável que haja um bom espaço para a queda dos juros, não se sabe até onde o BC pode caminhar com segurança. Haverá mais quedas próximas do IPCA em doze meses, porque janeiro e fevereiro de 2016 foram meses de avanços elevados dos preços - em apenas um bimestre, 2,17% de variação. Pelas previsões atuais, em julho o IPCA estará abaixo da meta, em 4,4%, cairá até agosto (3,92%) para subir a partir daí, quando começam a sair das estatísticas os índices mensais baixos.
Há várias incógnitas no rumo dos preços. Os preços monitorados, que formam quase 30% do IPCA, encerraram 2016 em 5,5% e carregam com o peso da indexação de um período de inflação alta, assim como o salário mínimo. A nova fórmula de reajuste de combustíveis refletirá mais o comportamento dos preços internacionais, para cima ou para baixo, dificultando previsões. As apostas sobre a taxa de câmbio se inclinam para uma moderada desvalorização, que pode ser forte, dependendo do cenário internacional e de sua incerteza maior: Donald Trump.
Por outro lado, a redução mais acentuada dos juros, ao estimular a economia a curto prazo, pode fazer os preços se moverem para cima, se houver espaço - o que não parece plausível no momento. A indústria, na comparação mensal, cresceu 2,3% em dezembro, e o índice de preços ao produtor, medido pelo IBGE subiu. No IPCA, em doze meses encerrados em dezembro, os bens duráveis aumentaram 1,37% e os semiduráveis, 3,9%. Há grande compressão de margens para a indústria e espaço para algum aumento, com a desinflação dos preços dos alimentos (9,3% de avanço em 12 meses) diante da supersafra que vem aí. No entanto, seria necessário um recuo bem maior no recalcitrante setor de serviços (6,48%).
A quitação de dívidas tem aos poucos reduzido a inadimplência do consumo, enquanto que o número de pedidos de falências e recuperação judicial (recorde em 2016) recuou em janeiro em relação a dezembro. Isso sempre ocorre, mas não na atual magnitude - 33% e 36,5%, segundo o Boa Vista SCPC. No balanço do Bradesco, o calote diminuiu 5,9% no quarto trimestre em relação ao anterior.
O desemprego, que pesa como chumbo na decisão de consumo, manteve estabilidade entre o quarto trimestre de 2016 e o anterior, depois de vários trimestres pavorosos. A massa de rendimento real habitual caiu 3,5%, enquanto que o rendimento médio real parou de cair e subiu até um pouco pelo aumento de salários de apenas uma categoria: os servidores públicos. A sangria de demissões tende a se reverter na agricultura (perda de 417 mil postos), a estabilizar na indústria (perda de 955 mil postos), enquanto isso não é certo ainda para um grande empregador, a construção civil, que demitiu 857 mil pessoas em 2016. Ela depende da retomada do mercado imobiliário, de obras de infraestrutura e dos programas habitacionais, que sofreram pesados cortes de recursos públicos.
Diante do tombo do investimento e de sua improvável retomada vigorosa no curto prazo, tanto no setor privado quanto público, a reanimação da economia caberá ao consumo, ainda coagido pelo endividamento, e ao setor externo. Será uma recuperação fraca e, por isso mesmo, sujeita a retrocessos.
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