- Diário do Poder
Em um momento de transição como este vivido pelo Brasil, em que o país começa a dar os primeiros sinais de recuperação econômica sob o governo do presidente Michel Temer e se reorganiza com vistas às eleições de 2018, as discussões sobre a necessidade de realizarmos profundas mudanças em nosso sistema político ganham corpo e devem pautar o debate nacional nos próximos meses. Há um consenso na opinião pública de que o modelo atual se esgotou, de modo que não se pode mais adiar a reforma política. A grande questão é saber para onde o Brasil deve caminhar e quais seriam os pontos principais para que o que já é ruim não piore ainda mais.
Um dos homens públicos mais experientes e bem preparados do país, o senador José Serra (PSDB-SP) contribuiu com essa discussão ao escrever um artigo intitulado “O bom exemplo alemão”, publicado na edição do dia 23 de março do jornal “O Estado de S.Paulo”. No texto, ele destaca que o modelo eleitoral em vigor no Brasil “sofre de crescente perda de legitimidade”, além de ser “caríssimo” e de dar “protagonismo ao poder econômico – não somente o empresarial”. Em sua correta avaliação, isso se dá em função de “termos adotado o pior dos sistemas: distritos enormes em que se disputam várias cadeiras”, o que “enfraquece a ligação entre candidato e eleitor e amplia o poder de minorias”, fazendo com que o sistema político se transforme em uma “confederação de interesses particularistas”.
A proposta defendida por Serra, que merece ser debatida e endossada, é a instituição do sistema distrital misto utilizado na Alemanha, pelo qual o eleitor vota no candidato em seu distrito e também em uma lista partidária. Esse voto na lista serve para corrigir uma tendência verificada no modelo distrital de sub-representar minorias. Dessa forma, a cada cadeira conquistada nos distritos, o partido perderia uma no critério das listas. Trata-se de um sistema proporcional, pois o peso das legendas no Parlamento tenderia a obedecer a proporção dos votos obtidos. O sistema distrital misto, enfim, representa uma conciliação perfeita entre as vantagens dos dois modelos, combinando a representação local (com uma maior proximidade entre eleitor e eleito) e fortalecendo o caráter programático de cada partido. Como afirmou Serra em seu artigo, “as campanhas para o voto em lista e para o voto majoritário andariam juntas e se nutririam de um mesmo conteúdo programático”.
Vem se criando, junto a parcelas expressivas da sociedade brasileira, um sentimento de forte rejeição à tese do sistema proporcional com a lista pré-ordenada de candidatos elaborada pelos partidos políticos. É evidente que, neste momento, tal proposta está inviabilizada no Brasil em decorrência da falta de apoio da população. Entretanto, devemos ter em mente que a grande maioria dos países de democracia avançada adota justamente o sistema proporcional, no qual o voto é computado para os partidos. Devemos ter o mínimo de tranquilidade para ao menos discutir esse tema sem que se desqualifique qualquer proposta de antemão, como se a maior parte das nações do mundo democrático fosse composta por canalhas oportunistas que atuariam meramente em benefício próprio. Isso é, evidentemente, uma fantasia – alimentada por muitos incautos que interditam o debate sobre a reforma política no Brasil.
A mais importante e necessária mudança política que deveríamos levar a cabo no país, e venho afirmando isso há tempos, é a instituição do parlamentarismo. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 20/1995, de autoria do então deputado Eduardo Jorge, está pronta para ser votada desde 2001. Se fosse levada ao plenário e aprovada, poderia entrar em vigência talvez já para 2018, após o encerramento do mandato do presidente Temer. A vantagem do sistema parlamentarista é que, nele, quanto maior a crise, mais radical é a solução.
Mesmo no processo deflagrado contra a ex-presidente Dilma Rousseff, o impeachment votado pelos deputados e senadores teve um forte componente do “voto de desconfiança” tão característico do parlamentarismo. Por esse sistema, a derrocada do governo com a queda do gabinete acontece sem que haja qualquer turbulência política e muito menos institucional. Quando não é possível formar uma nova maioria, o Congresso é simplesmente dissolvido e se convocam novas eleições, levando a uma participação maior da sociedade.
No bojo das discussões sobre a reforma política, outro ponto fundamental que precisa ser discutido envolve os recursos do Fundo Partidário e o tempo de propaganda eleitoral na TV e no rádio. Não se deve coibir a criação de novos partidos, que são direitos da cidadania e não podem ser tutelados ou restringidos pelo Estado. O que se pode fazer é limitar o acesso indiscriminado ao Fundo, evitando que se forme um mercado de negociações espúrias à custa do dinheiro público. Nossa proposta é de que apenas os partidos que alcancem uma representação mínima na Câmara tenham acesso ao Fundo e à TV. Seria uma espécie de cláusula de barreira, mas não aos mandatos.
A mudança no sistema de governo e a adoção do parlamentarismo no Brasil, além do sistema distrital misto e da limitação do acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV, são algumas das medidas que poderiam ser encampadas em um primeiro e importante passo para uma verdadeira reforma política. Temos todas as condições de trabalhar em torno de um regime mais dinâmico, flexível e democrático, com uma sociedade mais participativa e partidos fortes. O debate está aberto e não podemos adiá-lo mais uma vez.
*Roberto Freire é ministro da Cultura
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