- Folha de S. Paulo
A reforma do sistema eleitoral em curso no Congresso precisa ser aprovada até setembro para vigorar no pleito de 2018.
Não será tarefa fácil, pois é objeto de acalorados debates que já extravasaram o âmbito parlamentar para ganhar as ruas.
São vários os pontos controvertidos, mas o aspecto que mais desperta paixões no momento é a substituição das listas partidárias abertas, tradicionalmente empregadas no Brasil, pelas fechadas.
Segundo esse sistema, os partidos apresentam uma ordem preordenada de candidatos, que são eleitos em conformidade com a respectiva posição na lista, proporcionalmente ao número de votos obtidos pelas respectivas legendas.
Os eleitores deixam de escolher os nomes de sua preferência, votando apenas nas agremiações partidárias.
O método em si não é ruim, mesmo porque encontra guarida em muitos países politicamente avançados. Afinal, o voto em lista fortalece os partidos, entidades essenciais ao bom funcionamento da democracia representativa.
O problema é que alguns entendem que a atual conjuntura não é das mais propícias para discutir o assunto. Outros acham que a novidade configura um estratagema para garantir a reeleição de políticos cujos nomes foram envolvidos em denúncias de corrupção.
Há os que pensam que um Legislativo em final de mandato e um Executivo que não recebeu a unção das urnas carecem de legitimidade para levar avante uma reforma dessa envergadura. Existem ainda aqueles que não admitem que se subtraia dos cidadãos o direito de indicar livremente seus candidatos.
A favor da mudança argumenta-se que o sistema atual, embora confira maior poder de escolha aos eleitores e favoreça, em tese, a renovação política, estimula a "fulanização" das eleições, além de promover a concorrência entre candidatos de uma mesma legenda.
A lista aberta, ademais, seria incompatível com a possível adoção do financiamento público de campanhas, estimulada por decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional o aporte de recursos por empresas.
Para operar adequadamente, contudo, o sistema de listas fechadas pressupõe a existência de um número reduzido de partidos, claramente identificáveis por suas posições programáticas.
Esse requisito hoje inexiste no país, onde cerca de 35 agremiações políticas, grande parte sem qualquer identidade ideológica, podem disputar a cada dois anos uma frenética competição para ocupar os cargos eletivos em disputa.
Por isso, a aprovação prévia de uma cláusula de barreira ou de desempenho, que reduza drasticamente o número de partidos, é condição essencial para a implantação do novo modelo.
Há mais uma dificuldade: o sociólogo Robert Michels, no início do século passado, enunciou a denominada "lei de ferro da oligarquia". Segundo ele, certas organizações sociais, como partidos e sindicatos, dão "origem ao domínio dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes". Isso significa que a mudança em cogitação exige que se assegure primeiramente a democratização interna das agremiações políticas.
Existem países que adotam as chamadas listas flexíveis, em que os partidos formulam uma relação de candidatos cuja ordem pode ser alterada pelos eleitores, aos quais também se permite votar em um nome de sua preferência, independentemente da posição que ocupe na lista.
Talvez seja o caso de adotar-se transitoriamente essa solução intermediária, submetendo uma mudança mais radical e definitiva a um plebiscito ou referendo popular, de baixo custo e fácil execução.
Para tanto, bastaria inserir uma consulta aos cidadãos na programação das urnas eletrônicas que estão sendo preparadas para as eleições do ano vindouro.
*Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP
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