sexta-feira, 16 de junho de 2017

À espera de ‘fatos novos’ | Rogério Furquim Werneck

- O Globo

Permanência do PSDB no governo, contaminado como está, vem expondo o partido a desastroso desgaste

A economia continua ao sabor da colossal crise política deflagrada em meados de maio. Horrorizado com as delações dos irmãos Batista e com o desfecho do julgamento da chapa Dilma-Temer, o país começa a se dar conta de quão difícil promete ser a travessia até as eleições de 2018, conduzida por um presidente fragilizado, acossado pela Justiça e aterrorizado pela possibilidade de surgimento de “fatos novos” que, afinal, lhe sejam politicamente fatais.

No primeiro dia do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, o jornalista Raymundo Costa observou, com notável argúcia, que o TSE não tinha estatura nem para cassar nem para absolver a chapa Dilma-Temer (“Valor”, 6/6). E, de fato, a falta de estatura do tribunal ficou bem evidenciada pela forma canhestra com que, por quatro votos a três, a chapa foi absolvida, não obstante a contundência irrefutável das provas brandidas pelo ministro-relator.

Especialmente grave foi não ter sido dada importância ao fato de que, ao fechar os olhos para evidências tão irretorquíveis da forma corrupta como foi conduzida a campanha presidencial da chapa Dilma-Temer, em 2014, o TSE comprometeu-se com um padrão indefensável de complacência, botando a perder qualquer esperança de moralização do financiamento de disputas eleitorais no futuro próximo.

A esta altura, passou a ser constrangedor lembrar que, contra a decisão do TSE, caberia recurso do PSDB. Nada mais improvável. O partido, agora, está em outra. Agarrado à alegação de que, em meio à crise, lhe cabe ser fiador da governabilidade que asseguraria o avanço da agenda de reformas, o PSDB parece propenso a entrar em modo de autodestruição para dar sustentação ao desenganado governo Temer.

As alas mais jovens da bancada tucana no Congresso não escondem sua irritação com o apego da cúpula do partido ao governo. Perceberam que Temer já não tem a menor condição de liderar a aprovação das reformas. E que a permanência do PSDB no seu governo, contaminado como está, a menos de 16 meses das eleições, vem expondo o partido a desastroso desgaste político e a riscos injustificáveis.

Ao condicionar a permanência no governo ao não surgimento de “fatos novos”, a cúpula do PSDB deixa mais do que claro que tem plena consciência de que, em se tratando do governo Temer, tudo é possível. Nada pode ser descartado.

Mas, ainda assim, o partido prefere Temer sangrando a um sucessor que possa ficar tentado a se candidatar à reeleição, em 2018. Apesar de todos os riscos, não quer abrir mão da aliança com o PMDB, seja por que acredita que isso lhe ajudará a conter os danos que as delações premiadas vêm impondo à cúpula tucana, seja porque teme perder a possibilidade de contar com o apoio do PMDB na eleição presidencial de 2018.

O PSDB recusa-se a enxergar a real extensão das dificuldades com que se debate o presidente. Mal terminada a desgastante batalha do TSE, o Planalto prepara-se, agora, para enfrentar a denúncia contra Michel Temer que estaria prestes a ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O plano de jogo do governo, que o PSDB parece subscrever, é correr contra o tempo. Dar celeridade à decisão da Câmara sobre a admissibilidade da acusação contra o presidente, antes que “fatos novos” possam vir a comprometer seu apoio na Casa.

O que parece não ter sido percebido é que, ciente desse plano, a PGR pode, respeitados os prazos legais, postergar a apresentação da denúncia contra o presidente, até que “fatos novos”, gerados pela própria PGR, possam vir a público. Que é exatamente o que a Procuradoria-Geral da República já vem fazendo.

Alarmado com o que lhe espera, Temer parece ter decidido rasgar a fantasia e partir para o vale-tudo, para assegurar o apoio requerido da Câmara, como bem ilustra a convocação de indecorosa reunião com os governadores, no Alvorada, para discutir a renegociação das dívidas dos estados com o BNDES e outros bancos federais, num momento de suposta mobilização do país com a viabilização de penoso esforço de ajuste fiscal.

-----------------
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

Nenhum comentário: