Um novo cerco ao Tesouro está sendo preparado, no Congresso Nacional, por parlamentares empenhados em lucrar o máximo com as dificuldades financeiras do governo. Com enormes problemas em suas contas, uma herança dos desmandos cometidos no período petista, o Executivo continua tentando arrecadar algum dinheiro extra por meio de um esquema de refinanciamento de dívidas tributárias.
A troca é simples e mutuamente benéfica. Os devedores podem regularizar sua situação, livrando-se de cobranças acompanhadas de punições. Mas devem liquidar de imediato uma parcela do tributo devido, proporcionando ao governo, a curto prazo, um reforço de caixa. A proposta, contida na Medida Provisória (MP) 783, atende ao interesse público e ao mesmo tempo confere um benefício a empresas em situação hoje irregular. Mas um grupo de parlamentares parece incapaz de entender a noção de interesse público. Esse grupo, tudo indica, mais uma vez se dispõe a deformar, em benefício exclusivo de grupos privados, um importante projeto formulado pela equipe econômica e enviado ao Legislativo pelo presidente da República.
A nova MP substitui a de número 766, apresentada há meses pelo Executivo e desfigurada por seu relator, deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), supostamente integrante da base parlamentar do governo. A tramitação do primeiro texto foi interrompida, representantes do Executivo rediscutiram o assunto com parlamentares e uma versão nova foi preparada, com base nessas conversações. Mas a busca do entendimento parece ter sido inútil. Em outras palavras: o presidente Michel Temer e seus auxiliares parecem ter cometido um sério engano ao confiar nos interlocutores.
Para espanto das pessoas menos prevenidas, o deputado Newton Cardoso Jr. foi eleito, de novo, para a função de relator. Apenas confirmada sua eleição, ele já deixou claro o propósito de mais uma vez deformar a proposta do Executivo, convertendo o novo Refis, o esquema de refinanciamento, numa fonte de ganhos escandalosos para empresas devedoras do Fisco.
Mais uma vez a ideia é mexer nas condições do acerto entre o governo e os contribuintes em atraso, reduzindo os juros e multas e diminuindo o valor da parcela inicial. A nova MP estabelece um prazo máximo de 180 meses para o pagamento, com entrada de 20% para os grandes devedores e de 7,5% para aqueles com débitos de até R$ 15 milhões. Como noticiou o Estado, o relator já indicou a intenção de elevar o limite de R$ 15 milhões, para mais devedores poderem pagar a menor entrada. Além disso, esses beneficiários também poderiam valer-se ao mesmo tempo do uso de créditos tributários e dos descontos propostos para juros e multas. Pelo texto do governo, eles só poderiam usar uma das facilidades – reduzir a dívida com créditos tributários ou aproveitar o abatimento de multas e juros.
É preciso, disse o relator, definir um porcentual de entrada “que atenda o governo e a sociedade ao mesmo tempo”. O uso da palavra “sociedade” é obviamente abusivo. As mudanças em estudo, se aprovadas, atenderão a interesses de grupos em situação irregular e pouco empenhados, na maior parte dos casos, no acerto com o Fisco. Parlamentares interessados em favorecer esses devedores agirão, em muitos casos, para beneficiar a si mesmos, como apontou a reportagem.
O interesse da sociedade é muito diferente daquele defendido por esses políticos. Objetivamente, a maior parte dos brasileiros será tanto mais favorecida quanto mais pronta e seguramente o governo consiga reconstruir suas finanças. Um dos objetivos da MP 783 é proporcionar ao Tesouro uma receita adicional de R$ 13,3 bilhões neste ano. Ao deformar o texto, o relator e seus companheiros de cerco ao Tesouro impedirão esse resultado.
Um legislativo deveria ser “um retrato exato, em miniatura, do povo”, escreveu John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos. Legisladores como os desse grupo só poderiam ser o retrato de um povo muito feio e debochado. Nenhum brasileiro deveria reconhecer-se nessa imagem.
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