sexta-feira, 16 de junho de 2017

Retaliação evidente – Editorial | O Globo

É defensável o objetivo de proteger o cidadão, mas intenção real é constranger os agentes do Estado

O agravamento da crise política, a partir das delações da Odebrecht até chegar às elevadas temperaturas da acusação feita, com provas, ao presidente Michel Temer, pelo empresário Joesley Batista, do grupo JBS, terminou por ofuscar desdobramentos deste arrastão histórico que organismos de Estado fazem contra um esquema de corrupção de chamar a atenção do mundo, o petrolão.

Entre os grupos empresariais de construção e engenharia que participaram do saque a estatais, por meio do superfaturamento de contratos, aliados ao PT, PMDB, PP, tendo entre beneficiários até o oposicionista PSDB, destacou-se a Odebrecht, cujas delações premiadas também são negociadas nos Estados Unidos e Suíça, com reflexos em alguns países latino-americanos, em que a empreiteira, com suporte nos governos Lula e Dilma tocou obras lubrificadas, da mesma forma, por milionárias propinas.

Um aspecto de todo este enorme escândalo temporariamente colocado em segundo plano pela crise política é a reação multipartidária à forçatarefa da Lava-Jato, lançada em março de 2014, em Curitiba, responsável por começar a puxar penas que trazem frangos inteiros — imagem do falecido ministro do Supremo Teori Zavascki, relator dos pedidos de inquéritos e denúncias feitos pela força-tarefa envolvendo pessoas com foro privilegiado e ex-autoridades.

À medida que a Lava-Jato avançava arrolando, por exemplo, a cúpula do PT, depois a do PMDB, surgia um movimento no Congresso para a barrar procuradores, a PF e o juiz Sergio Moro, por meio de projetos de leis. Como a Lava-Jato chegou ao Rio (juiz Marcelo Bretas) e a Brasília (Vallisney de Souza), pará-la por ações no Congresso tornou-se vital.

Já são um dos pontos de destaque da história da Lava-Jato gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, de conspiratas contra a operação entre o então presidente do Senado, Renan Calheiros, os senadores Roberto Jucá e Eunício de Oliveira, que iria substituir Renan, e até o ex-presidente da República José Sarney.

Os parlamentares temerosos com Curitiba sempre sonharam em dificultar acordos de delação premiada — o deputado suplente Wadih Damous, lulopetista, por exemplo, apresentou projeto na Câmara para proibir preso fechar acordo do tipo. Porém, o ataque até agora mais efetivo ao combate à corrupção partiu de Calheiros. Sem qualquer preocupação com o fato de ser investigado e denunciado pelo Ministério Público, portanto de ter interesse pessoal em conter juízes, procuradores e policiais federais, o senador assina projeto contra “abuso de autoridade”.

É mais que defensável o objetivo de proteger o cidadão contra exorbitâncias de agentes públicos. Mas a intenção real é constranger procuradores, juízes e policiais, ameaçando-os com processos penais. Houve intenso debate, inclusive com a participação de Moro e procuradores, e alguma toxidade do projeto foi tirada, mas a intenção dele é barrar a luta contra a corrupção. O tema é relevante, porém, insiste-se que ele deve ser discutido depois de puxado este arrastão.

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