sexta-feira, 16 de junho de 2017

Política no escuro | Merval Pereira

- O Globo

A situação está de vaca não conhecer bezerro. Esta velha imagem nordestina, muito usada na política, é a que melhor define o quadro atual. Basta ver que os partidos políticos, que já perderam o rumo há muito tempo, agora começam a defender posições opostas às que sempre defenderam, mais perdidos do que cego em tiroteio, outra expressão popular muito conhecida.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de muitas idas e vindas que atribui às fortes tensões que afetam a política nacional, resolveu agora defender a antecipação das eleições diretas para a Presidência da República. E o PT está querendo ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) defender a tese de que não é preciso aval da Câmara para que um presidente da República seja processado, como prevê o artigo 86 da Constituição.

Fernando Henrique quer eleições diretas para seu partido ter uma saída do enrosco em que se meteu ao defender o governo Temer a qualquer custo, desconectando-se de seus eleitores. A reação negativa das bases partidárias à insistência da cúpula tucana de continuar aliada ao governo está sendo sentida nas redes sociais, e Fernando Henrique trata de se reposicionar mais uma vez.

Já o PT quer pegar o presidente Temer, esquecendo-se de que quem com ferro fere, com ferro será ferido. Lula ou qualquer outro petista eventualmente eleito presidente num pleito antecipado como proposto por Fernando Henrique — outro efeito colateral possível da nova posição do ex-presidente — poderia ser objeto de uma ação da Procuradoria-Geral da República.

Hoje, o projeto político de Temer é impedir que a aprovação de um provável processo contra ele alcance o quórum necessário (2/3 dos deputados) e, com sorte, chegar a setembro para escolher um novo procurador-geral da República que esteja alinhado com seu governo.

O curioso é que a emenda constitucional de dezembro de 2001 que permitiu que parlamentares sejam processados sem a autorização da Câmara ou do Senado, que o PT pretende usar como parâmetro legal para permitir que Temer seja processado pelo STF sem autorização da Câmara, foi aprovada quando o então deputado Aécio Neves era presidente da Casa.

Ele saudou a aprovação do que chamou de “pacote ético” como um novo tempo, em que os parlamentares passavam a ser iguais ao cidadão comum diante da lei, respondendo por crimes comuns. O PT agora alega que a necessidade de permissão para processar o presidente da República, prevista no artigo 86 da Constituição, não é compatível com essa alteração constitucional feita em 2001, e nem com a autorização dada pelo STF de abertura de ações contra governadores sem aval das assembleias.

A principal modificação produzida no texto original da Constituição pela emenda foi permitir que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa prosseguir no processamento de parlamentares, independentemente de licença da sua Casa Legislativa, aceitando-se que, por iniciativa de partido político, seja sustado em votação o andamento da ação.

Muito semelhante à emenda constitucional que já foi aprovada no Senado e está agora tramitando na Câmara que acaba com o foro privilegiado da maneira como existe hoje. Os parlamentares continuam só podendo ser presos em flagrante, por crime inafiançável, mas em vez de a Câmara ou o Senado terem que dar permissão para a prisão, eles têm que votar para relaxar a prisão. Mas o processo continuaria na primeira instância, pois o foro privilegiado seria extinto.

Hoje, o foro privilegiado continua protegendo parlamentares, e as Casas Legislativas continuam tendo que dar permissão para a prisão de um de seus membros. É o caso que será analisado na próxima terça-feira pela Primeira Turma do STF em relação ao senador afastado Aécio Neves.

A Procuradoria-Geral da República voltou a pedir sua prisão, enquanto há uma ação para que ele reassuma suas funções no Senado. No caso de a Turma aprovar a prisão, o plenário do Senado terá que permiti-la, o que indica a possibilidade de uma disputa entre o Legislativo e o Judiciário que pode complicar ainda mais a crise política.

O PSDB mantém o apoio ao governo Temer muito pensando na reciprocidade que o PMDB pode dar na eventual votação sobre Aécio Neves no Senado. Mas com a mudança de posição de dois de seus principais líderes, já que o presidente interino, senador Tasso Jereissati, também já começou a intensificar as críticas ao governo Temer e a bancada tucana na Câmara caminha para votar a favor de um processo contra Temer, pode ser que o senador Aécio Neves seja uma vítima colateral desse desentendimento entre os dois principais partidos que formam hoje o governo.

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