Sem citar nome, presidente levanta suspeita se procurador-geral da República se beneficiou financeiramente quando ex-procurador saiu da força-tarefa para trabalhar em escritório contratado pela JBS
Carla Araújo e Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Em uma tentativa de mostrar que está sendo atingido por uma denúncia feita por “ilação”, o presidente Michel Temer citou o ex-procurador da Operação Lava Jato Marcelo Miller como alguém que "ganhou milhões em poucos meses" após deixar a força-tarefa e ingressar em escritório de advocacia que negociou acordo de leniência dos delatores do Grupo J&F. Temer levantou a suspeita de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se beneficiou financeiramente da remuneração de Miller, mas negou, no entanto, que estivesse fazendo uma ilação.
“Um assessor muito próximo ao procurador-geral da República, senhor Marcelo Miller, homem de sua mais estrita confiança, um dia deixa o emprego do sonho de milhares de jovens brasileiros”, afirmou. “Abandona o Ministério Público para trabalhar em empresa que faz delação premiada com o procurador-geral (Rodrigo Janot). Ganhou milhões em poucos meses, o que levaria décadas para poupar”, prosseguiu, ressaltando que não houve uma “quarentena”.
Segundo Temer, Miller “garantiu ao seu novo patrão um acordo benevolente, uma delação que o tira das garras de Justiça, que gera uma impunidade nunca antes vista”. “E tudo ratificado, tudo assegurado pelo procurador-geral. Pelas novas leis penais da ilação, ora criada na denúncia, poderíamos concluir que, talvez, os milhões não fossem unicamente para o assessor de confiança que deixou a Procuradoria da República”, declarou o presidente.
De acordo com declaração da Procuradoria-Geral da República (PGR) de maio deste ano, Miller não participou da negociação de delação dos executivos do grupo J&F, holding da JBS. Miller pediu exoneração do Ministério Público em março e, naquele mês, seria advogado no escritório Trench, Rossi e Watanabe, o que ainda o é. A PGR informou que a delação premiada é celebrada por pessoas físicas, enquanto o acordo de leniência envolve a pessoa jurídica. O escritório no qual Miller trabalha participou da negociação de leniência do Grupo J&F, de Joesley Batista.
O presidente destacou ainda que basta olhar os últimos anos e os últimos acordos de delação para saber que “ninguém saiu com tanta impunidade”. “Mas eu tenho responsabilidade, não farei ilações. Tenho a mais absoluta certeza que não posso denunciar sem provas. Não posso ser irresponsável”, completou.
Temer, que não citou Janot diretamente no seu pronunciamento de cerca de 20 minutos, disse que não queria repetir o comportamento que estava criticando. “Não denunciarei sem provas. Não criarei falsos fatos para atingir objetivos subalternos. Por tradição e formação acredito na Justiça. Não serei irresponsável”, reforçou.
Temer que chegou acompanhado de cerca de 50 parlamentares e ministros, disse que se estivesse na Câmara poderia fazer uma sessão, pois já havia quórum e afirmou estar “agradavelmente surpreso com o apoio espontâneo”. Temer disse ainda que, por ser da área jurídica, não se impressionava com os fundamentos “ou a falta deles” na denúncia e que sob o foco jurídico “a minha preocupação é mínima”. “Aguardarei a decisão do Judiciário”, disse. “Mas se fosse só aspecto juridico, não estava fazendo essa manifestação. O faço em função do ataque indigno a minha pessoa”, afirmou.
Conforme antecipou o Estado/Broadcast, Temer afirmou que a “denuncia por ilação” abriu um precedente perigosíssimo. Temer disse ainda que optou por falar o nome do procurador Miller, pois seu nome “foi usado deslavadamente na denúncia”. “Havia um desejo de ressaltar quase em letras garrafais o meu nome”, disse.
Ao afirmar que estão tentando imputar atos criminosos contra ele e que “não conseguirão”, Temer disse ainda que o empresário Joesley Batista foi trazido de volta ao Brasil quando começaram a perceber que as provas estavam inconsistentes. “Interessante ele veio de boné para se disfarçar”, afirmou. “Eles foram preparados, treinados, para conversas induzidas”, completou.
Temer afirmou que a gravação de sua conversa com Joesley, utilizada na denúncia, é uma prova inválida e que já foi questionada por diversos jornais e pelo perito que a defesa contratou. Ele destacou ainda que até a perícia oficial da Policia Federal, que não apontou edições, aponta “120 interrupções”. Em laudo de 123 páginas, os peritos criminais do Instituto Nacional de Criminalística (INC) concluíram que “não foram encontrados elementos indicativos” de que a gravação da conversa “tenha sido adulterada em relação ao áudio original, sendo a mesma consistente com a maneira em que se alega ter sido produzida”.
Sem citar o nome do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Temer negou a acusação de que teria dado aval para que o empresário comprasse o silencio do ex-parlamentar para que este não fizesse delação. “Querem imputar a ideia de que mandei pagar isso, aquilo”, destacou.
No fim de sua fala, Temer disse não saber como Deus o colocou como presidente, “com uma tarefa difícil, mas tenho honra de ser presidente”. “Não fugirei das batalhas, nem da guerra que temos pela frente.”
Defesa. Miller afirmou que “não cometeu nenhum ato irregular” desde que deixou a Procuradoria-Geral da República. “Não cometi nenhum ato irregular, mas não responderei às afirmações a meu respeito pela imprensa”, afirmou o advogado, em comunicado à imprensa. “Apenas me manifestarei perante as autoridades com competência para examinar os fatos e com interesse na aferição da verdade.” / Colaborou Marcio Dolzan
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