Se depender dos gastos familiares, a economia continuará em marcha lenta – avançando, quase certamente, mas sem grandes arrancos. Isso deve perdurar pelo menos até uma boa limpeza nos orçamentos caseiros. Em maio, com mais 900 mil nomes adicionados à lista, o número de consumidores inadimplentes chegou a 61 milhões, segundo a Serasa Experian. Foi o maior contingente registrado na série iniciada em 2012. Isso corresponde a quase um terço da população brasileira, incluídos bebês, crianças e jovens menores de idade. Desemprego ainda muito elevado, com 13,8 milhões de desocupados no trimestre de março a maio, e crédito escasso e caro são obviamente as principais explicações. Um ano antes, o cadastro apontava 59,5 milhões de inadimplentes.
Pessoas com dívidas em atraso pouco poderão contribuir para a recuperação dos negócios no varejo. Mantido esse quadro, o consumo das famílias até poderá crescer mais que o investimento privado, neste ano, mas ainda avançará em ritmo insuficiente para tirar do já prolongado marasmo a economia nacional. A seca do crédito prossegue, embora a taxa básica de juros, a Selic, esteja em baixa desde outubro. Há cautela de lado a lado. Os bancos permanecem muito cuidadosos na concessão de empréstimos, enquanto os tomadores – pessoas jurídicas e físicas – se mantêm prudentes na busca de financiamentos.
Com outro padrão de medida, o Banco Central (BC) também mostrou o aumento da inadimplência das famílias em maio. A parcela dos saldos com atrasos superiores a 90 dias atingiu 4,1%. Essa taxa foi 0,1 ponto porcentual maior que a de abril, mas houve recuo de 0,2 ponto em 12 meses.
A melhora no intervalo de um ano, portanto, foi muito limitada. Em 12 meses diminuiu 14,1% o crédito concedido a pessoas jurídicas e aumentou 2,5% o destinado a pessoas físicas, variação nominal inferior à inflação. No mesmo período, o saldo total dos financiamentos caiu 3,6% em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB). O saldo comprometido com as pessoas físicas encolheu 0,2% na mesma relação.
Sem o recuo da inflação, observado claramente a partir do segundo semestre do ano passado, o orçamento familiar estaria muito mais apertado. A menor variação de preços foi acompanhada de juros básicos menores e até de alguns sinais positivos na oferta de empregos. Durante algum tempo, consumidores e empresários mostraram maior otimismo – ou menor pessimismo – quanto ao futuro próximo. Mas a inadimplência permaneceu elevada, mesmo com algum esforço de renegociação de dívidas. A melhora muito vagarosa da oferta de empregos dificultou a recomposição das finanças familiares, limitando as possibilidades de aumento de gastos com bens e serviços.
Pesquisas de junho têm mostrado uma piora na disposição de empresários e consumidores. Até maio, tinha havido alguma melhora. Os números da inadimplência divulgados pela Serasa e pelo BC ainda se referem a maio. Esse detalhe é importante. As pesquisas sobre expectativas mostraram resultados piores no mês passado, semanas depois do início da crise associada às denúncias contra o presidente da República. O aumento da inadimplência dos consumidores, observado em maio, foi independente, portanto, do agravamento da incerteza política. Foi, tudo indica, uma decorrência das condições inseguras da economia, com recuperação vagarosa, muito dependente da agropecuária, disseminada apenas parcialmente no setor industrial e com escassa geração de oportunidades de trabalho.
Durante algum tempo, os mais otimistas apontaram uma economia – em começo de recuperação – descolada dos problemas políticos. Os dados da inadimplência mostram o descolamento de outra perspectiva: também os aspectos frágeis da reativação foram independentes, pelo menos até maio, das incertezas em Brasília. Com o surgimento da crise, a insegurança política voltou a afetar as expectativas e as decisões na área dos negócios. A resposta sensata é obviamente procurar, dentro dos limites da lei, a solução menos demorada e menos custosa para esse novo desafio.
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