- Folha de S. Paulo
A distinção entre esquerda e direita é daquelas que parecem óbvias mas, quando olhadas de perto, se desfazem. O Datafolha realizou em junho sua pesquisa sobre a inclinação ideológica do país. Os resultados dão pano para discussão, mas refletem também as dificuldades do tema.
Os problemas começam na definição. Os rótulos agrupam coisas muito diferentes. Isso já é verdade para a esquerda: será mesmo que o socialismo modelo soviético é um modelo puro do qual a social-democracia europeia é uma versão parcial, imperfeita? No saco de gatos da direita, então, a confusão é total, pois ele agrupa posicionamentos que são rigorosamente opostos: de nacionalismo econômico e conservadorismo moral de um lado a, de outro, liberalismo econômico e individualismo moral (a crença de que cada um deve poder decidir sobre sua própria vida).
Na divulgação da pesquisa, optou-se por agrupar "direita" com "centro-direita" e "esquerda" com "centro-esquerda", deixando o centro com exíguos 20%. Mas se considerarmos que essas posições moderadas sejam na verdade mais próximas entre si do que de suas versões radicais, então são os extremos (a direita e esquerda "puras") que formam uma minoria de 20% –ainda que altamente barulhenta– contra 80% da população que não faz questão de rezar por um credo único. É o centrão.
O sujeito quer menos impostos, melhores serviços estatais, é a favor do casamento gay e contra o aborto. Outra quer leis trabalhistas mais modernas e mais investimento estatal. Assim como nas igrejas, podemos frequentar mais de um grupo ideológico e levar dele o que nos apraz.
Juntando questões econômicas e comportamentais (aborto, drogas, etc.), a matéria da própria Folha concluiu que a esquerda se fortaleceu nos últimos anos. Na análise do cientista político Diogo Costa (da Fundação Indigo de Políticas Públicas), os resultados mostram um comportamento duplo: nas questões comportamentais, houve uma diminuição do que ele chama de conservadorismo social. E, no campo econômico, um aumento de opiniões liberais. Outras leituras decerto são possíveis.
A divisão do povo de acordo com um princípio ideológico é uma escolha que permite separá-lo em dois grupos e criar uma narrativa global. Tem uma finalidade mais retórica do que científica e beneficia politicamente aqueles que apostam justamente nesse tipo de divisão. Na falta desse princípio único, há apenas opiniões pontuais sobre vários assuntos, que se relacionam de maneira variada e fluida, sem nenhuma clareza de como, e se, elas se traduzem nas escolhas políticas do país.
Enquanto brigávamos por nossas crenças, o STF liberou Aécio que apoia Temer que é defendido em entrevista por Lula. Quando será que eles param para discutir ideologia?
As causas que nos movem têm, para eles, importância secundária. Seu jogo é o da sobrevivência, ainda que às nossas custas e nos enganando periodicamente. Esse é o lado ruim. O lado bom é que, ao invés de paladinos da pureza ideológica prontos para a guerra santa contra o mal representado pelo lado oposto, nossos políticos precisam dominar as artes da paz: o acordo, a concessão, o meio-termo. De quebra, ajudam a preservar a boa convivência nos almoços de família: ao invés de brigar com tios e primos sobre a CLT e as drogas, podemos, juntos, maldizer Brasília.
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