- O Estado de S.Paulo
Alterar sistema de governo, tudo ao mesmo tempo agora, não é jeito de aprimorar nada
Reforma, no Congresso, vira feijoada. É a receita para juntar pé de porco com distritão em uma panela só. A mistura não se propõe a melhorar o sabor do prato, mas tirar dos olhos do público os ingredientes menos palatáveis, ou mesmo intragáveis. Foi assim na trabalhista, é assim na política. Discute-se muito as bizarrices, e pouco a substância. Não raro, termina em indigestão quando chega a hora de o público engolir o resultado.
Alterar sistema de governo, fórmula eleitoral e financiamento de campanha, tudo ao mesmo tempo agora, não é jeito de aprimorar nada. É dissimulação: propõe-se o conserto do que não está quebrado enquanto decide-se o que importa em noitadas no Jaburu. Para privilegiar os legisladores em causa própria, tenta-se ludibriar o público com expressões desenhadas para vender carro usado como seminovo. Parlamentarismo vira semipresidencialismo.
A manobra é necessária porque os compradores rejeitaram por duas vezes a mercadoria com seu nome original, em 1963 e 1993. Derrotados na urna, os vendedores costumam culpar o cliente, que seria incapaz de alcançar a novidade de uma ideia tão velha quanto a presença no poder da família de um dos patrocinadores da proposta. O clã ocupa o plenário do Congresso desde quando Dom Pedro não era estátua, mas criança. Tutela é com eles.
O que está quebrado no sistema político brasileiro são os partidos: a facilidade com que podem ser criados, as muitas regalias que proporcionam, o obscurantismo de suas prestações de contas, o absolutismo de seus morubixabas e a falta de diversidade de suas estruturas. Não à toa, são as instituições mais mal vistas entre todas as avaliadas pela opinião pública.
É difícil serem mais autocráticos e incentivarem menos a participação dos filiados. Não fazem prévias para escolher candidatos – o cacicado federal decide quem vai aparecer na urna, quem vai receber dinheiro e não tem discussão. Mas não fica nisso. Intervém nos diretórios locais ao menor sinal de insubordinação e eterniza comissões provisórias para garantir que não haja chance de oposição interna. Os partidos têm donos.
Por conta disso, têm também a representatividade de um convescote familiar. O poder é herdado e muitos dos herdeiros vivem de alugá-lo. Se não é possível interferir na propriedade privada, pode-se ao menos tentar controlar as regras da locação partidária. Proibir coligações entre partidos nas eleições para deputado e vereador seria uma revolução em prestações.
Sem poder pegar carona na votação das maiores siglas, os candidatos dos partidos nanicos teriam dificuldade de atingir o mínimo de votos para se elegerem. Deputados e vereadores relutariam em trocar a legenda que os elegeu por um micropartido onde teriam mais regalias. O benefício não compensaria o risco.
Como resultado, a cada eleição diminuiria o número de partidos com representação na Câmara dos Deputados e nas Assembleias – em vez de aumentar. É o que mostram todas as simulações sobre o que teria ocorrido se a regra tivesse vigorado em pleitos passados.
Com menos partidos, os restantes seriam necessariamente maiores e, por tabela, mais heterogêneos. A disputa interna pelo poder seria mais acirrada. Ter inserção social seria uma necessidade.
Tão ou mais importante, as negociações do Legislativo com o Executivo seriam no atacado, não mais no varejo. Como a soma das partes é sempre maior do que o todo, por menos republicanos que fossem, elas sairiam, ainda assim, mais barato do que saem hoje. Revertendo o curso atual, o sistema tenderia à estabilidade. Bastaria cumprir as regras em vez de reinventá-las só porque perdeu-se algumas eleições.
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