- O Globo
O governo teve um surto hiperativo nas últimas horas. Anunciou na segunda-feira a privatização da maior empresa de geração de energia. Na terça, pôs à venda 57 outros ativos. Ontem de manhã, tomou a correta decisão de aumentar o acesso dos trabalhadores ao PIS/Pasep. De tarde, por decreto, impôs ao país o fim de uma reserva ambiental com área do tamanho do Espírito Santo, que fora criada no governo militar.
Parecem coisas distintas, mas a soma dos atos governamentais mostra uma administração errática e perigosa. Ela pode tomar a qualquer momento uma decisão boa ou trágica, bem pensada ou confusa. Nunca se sabe a que lobby o governo vai atender. Na área ambiental, o presidente Michel Temer tem conduzido um retrocesso assustador. Já é o pior na questão ambiental de todos os governos desde a redemocratização. E agora superou até o governo militar ao arrancar do mapa da conservação da Amazônia 47 mil Km2 que haviam sido protegidos há 30 anos no governo do presidente João Figueiredo.
Quanto mais o presidente Temer quer regredir na área ambiental? Que novos crimes ambientais quer cometer? Há 33 anos, em 1984, a ecologia era um tema valorizado apenas por pequenos grupos e a questão climática ainda engatinhava. Só em 1987, três anos depois, foi publicado o Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum”. Só em 1992 ocorreu a Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para um Acordo do Clima. E, mesmo antes de tudo isso, Figueiredo criou essa reserva entre o Pará e o Amapá e proibiu a mineração no local. Desfazer isso hoje, depois de tudo o que se sabe, é um retrocesso inacreditável e que cai sobre o país na forma autoritária de um decreto.
Preparar uma empresa para a venda e definir o modelo são um processo complicado, o que significa que esta administração não tem como fazer tudo no período curto que tem pela frente. Devia escolher em que focar na área da privatização. Tanto é verdade que está falando em vender a Lotex desde que assumiu e já se passaram 15 meses do atual governo. Ontem foi novamente anunciado que ela será vendida.
Antes de comunicar a decisão de vender ações da Eletrobrás o governo já havia começado uma revisão da regulação do setor para corrigir os inúmeros problemas do excessivo intervencionismo da MP 579 do governo Dilma. Foi feita uma consulta pública e agora o Ministério das Minas e Energia está iniciando uma consolidação das propostas para redigir o decreto com as mudanças. Nesse contexto, faz sentido pensar em mudar a governança da Eletrobras. A estatal sempre foi vítima da espoliação política. O PMDB a dividiu em várias sesmarias para que os caciques de cada região dominassem um pedaço. O fim dessa ingerência dos políticos certamente vai aumentar a eficiência da gestão e isso é que foi comemorado pelo mercado no primeiro dia. A queda de ontem das ações era previsível, porque sempre ocorrem esses movimentos de realização após uma grande alta. A mudança de regras do setor elétrico, a negociação de uma saída para os prejuízos causados pela má regulação, a privatização da Eletrobras fazem parte de um conjunto harmônico de decisões.
O que não faz sentido é anunciar no dia seguinte a venda de outros 57 ativos que vão de linhas de transmissão, Casa da Moeda, 15 aeroportos, entre eles o de Congonhas, rodovias, terminais rodoviários, companhias docas. Se fosse capaz de executar todas essas vendas, já teria feito alguma. O governo Temer está desde o seu começo anunciando que vai anunciar a lista de projetos do Programa de Parcerias de Investimento. Tem menos de um ano para realizar todos esses leilões, porque depois o país estará voltado para as eleições. Conseguirá?
Existem momentos de bom senso no atual governo. Raros. Ontem, a boa notícia foi a decisão de reduzir a idade para sacar as cotas do PIS/Pasep. Mulher com 62 anos e homem com 65 anos terão acesso a esse dinheiro que sempre pertenceu ao cotista. A poupança compulsória sub-remunerada do trabalhador é um velho defeito da economia brasileira. A aprovação ontem da TLP em comissão no Senado é mais um passo na direção certa. O problema do governo Temer é que seus acertos são menores do que seus erros. E alguns dos erros podem provocar danos irreversíveis.
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