- Valor Econômico
O domínio do fato caiu no colo do procurador-geral
Os despachos do procurador-geral Rodrigo Janot na noite de segunda-feira, os áudios vazados no dia seguinte e as transcrições das conversas escrachadas entre sócios-delatores da JBS deixam transparecer quem é Marcelo Miller, o ex-procurador que foi braço direito de Janot e deixou o Ministério Público para trabalhar com Joesley Batista. Ele parece mesmo destemido. Mas ocultam relações de Miller com as atividades de Janot que só o Procurador Geral poderá esclarecer.
O comprometimento do procurador-geral está insinuado, bem como os crimes cometidos por seu ex-auxiliar, mas há todo um enredo que, para a paz no Ministério Público, não pode ficar obscuro.
A Policia Federal, em análise mais técnica, descobriu uma parte não conhecida do conteúdo explosivo da fita de Joesley. Avisou ao ministro Edson Fachin, que avisou a Rodrigo Janot, que chamou Joesley Batista e deu um prazo para explicações. Nessa ciranda de cobranças, todos levaram um susto atrás do outro.
Prometida a complementação, os delatores da JBS se precipitaram e, muito antes do fim do prazo, entregaram os novos diálogos, que Janot se apressou em determinar a audição e transcrição. Segundo o Procurador-Geral, de conteúdo gravíssimo, a conversa envolvia nos crimes praticados pelos delatores o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público. O que se conhece até agora, porém, só envolve de maneira constrangedora o Ministério Público. Por isso Janot poderia brindar a sociedade com explicações cabais antes de completar seu mandato.
Por exemplo, qual foi a sua real intimidade profissional com o procurador Marcelo Miller, considerado braço direito e colaborador nas investigações?
Como "auxiliar eventual", como está nominado, qual foi o papel efetivo de Miller, o que fez, quais pessoas interrogou, quantos e quais documentos manipulou? Faz parte do esclarecimento apontar como Miller tratou as informações sigilosas da Procuradoria-Geral da República e qual a extensão da responsabilidade que Janot deu a ele.
Será que Miller interrogou Joesley Batista e dele obteve documentos antes de deixar a Procuradoria? Foram muitos e importantes os documentos e informações levadas com Miller para o escritório de advocacia tão renomado que integrou para trabalhar nos assuntos que acompanhava na Procuradoria?
Há muitas questões envolvendo a relação de Miller com esse escritório que merecem pedidos de explicação como, por exemplo, por que acolheu Miller, por que o demitiu, quanto pagou?
Uma questão que só Janot pode iluminar: de quais reuniões Miller, como advogado de Joesley, participou com os ex-colegas da Procuradoria?
E, ainda: Janot pode tentar explicar se Miller conversou ou não com Joesley antes da gravação que o delator da JBS fez com o presidente Michel Temer no Palácio Jaburu; e se participou da preparação dessa gravação.
Não são apenas os advogados de defesa que consideram esse conjunto de dúvidas uma questão insubstituível para a agenda de Janot. Há, no dividido Ministério Público, quem também proponha que o procurador explique esse roteiro para deixar clara sua isenção. Senão, o que cairá no colo de Rodrigo Janot será a teoria do domínio do fato.
Os mais notórios petistas presos na ação penal do mensalão devem sua desdita à teoria do domínio do fato, tal como compreendida pelo Ministério Público Federal e aplicada pelo Supremo Tribunal Federal naquela oportunidade. O domínio do fato pode ser traduzido pela responsabilidade atribuída a alguém que está numa posição tal que não pode pretender não saber o que faz seu subordinado. Assim, não seria possível imaginar que Miller tenha feito as ações reveladas pelos delatores da JBS sem conhecimento de seu superior.
Será que fez? Esse é o lado escuro do caso e há tempo para esclarecimentos antes de encerrar seu mandato, o que pretendia fazer enviando ao STF a segunda denúncia contra Michel Temer. Com uma dinâmica totalmente diferente do processo criado pela complementação da delação de Joesley Batista. Nada tem uma coisa a ver com a outra por uma simples razão: o julgamento da Câmara é político, não jurídico.
É óbvio que a denúncia se enfraqueceu, porque as provas, integrantes dos áudios, se enfraqueceram. É presunção achar que as provas terão a mesma validade de antes dos novos áudios de Joesley. A lei contra o crime organizado pode até expor que a falsidade da delação não implica invalidade da prova. Isso é teoria que juiz baliza na hora. E ainda há, sobre a fragilização dessa prova, outra teoria chamada de fruto da árvore proibida.
Se a árvore é venenosa, como dar veracidade total a uma prova dela derivada? Questões preciosas para advogados, mas Janot não será detido por isso e fará barulho, até para afastar de si esse cálice que apareceu no final, nublando sua carreira.
A denúncia é política, o julgamento é político e a negociação também política. A fragilização do denunciante e das provas é uma questão jurídica que não sensibilizará a Câmara dos Deputados.
Janot continuará tentando derrubar o Presidente da República, agora acusando-o por obstrução de Justiça e formação de quadrilha, não importa que a denúncia anterior, por corrupção passiva, tenha sido suspensa pela Câmara e só vá voltar à agenda em 2019, provavelmente na primeira instância, quando o eleitorado já estará com sua atenção em outros cenários.
Portanto, interessa a Janot jogar sua cartada para obter resultados aqui e agora. O procurador-geral sabe que a ordem jurídica está estável e os processos na área criminal seguirão na linha. Mas, como todo mundo, aposta no imponderável da ordem política.
A nova denúncia tem a mesma natureza política da anterior e a postura da Câmara ainda é uma incógnita. Da primeira vez, os deputados não perderam a chance de demonstrar sua voracidade. Podem ver, nesta segunda denúncia, sua última grande oportunidade de capturar o presidente. Não há mais como repetir a primeira negociação, as emendas parlamentares obrigatórias já foram todas pagas, os cofres estão vazios. É uma situação ainda muito difícil para Temer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário