Áudio entregue por Joesley Batista implica Miller, que trabalhou com Janot
Rubens Valente, Reynaldo Turollo Jr. | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - O diretor de Relações Institucionais do grupo J&F, Ricardo Saud, disse em conversa com seu chefe, o empresário Joesley Batista, que Marcello Miller, na época procurador da República, estava ajudando a empresa a acertar detalhes do acordo de delação premiada que seria fechado com a Procuradoria-Geral da República.
"Como que o Marcello está tão afinado com a gente, o cara mandou escrever tudo hoje [anexos da delação], acabou, quarta-feira nós vamos entregar tudo cem por cento", disse Saud.
A declaração de Saud está em gravação feita em 17 de março, que foi entregue pela própria JBS à PGR na semana passada e divulgada nesta terça-feira pelo site de "O Globo".
Miller atuou até 2016 no grupo de procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato montada pela PGR e era considerado um dos homens de confiança do procurador-geral, Rodrigo Janot. Ele teve a portaria de exoneração assinada em 5 de março, com efeitos legais a partir de 5 de abril, quando foi publicada. Depois de deixar o Ministério Público, Miller se integrou a um escritório de advocacia que era contratado pelo grupo da JBS.
Na conversa, Saud diz que foi orientado por Miller a não entregar às autoridades uma gravação que teria feito com o ex-ministro da Justiça e advogado José Eduardo Cardozo (PT-SP).
Saud contou ao seu chefe que Miller ficou muito contrariado ao saber que ambos haviam gravado uma conversa com Cardozo na qual o ex-ministro teria feito comentário sobre a suposta vida pessoal de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
"Aí não pode botar lá, isso aí não pode. Nós temos que tirar. Tem que usar isso contra o Zé Eduardo. Bora pressionar o Zé Eduardo, tem que contar quem é esse cara do Supremo", disse Saud, reproduzindo palavras que teria ouvido de Miller. Não fica claro quem seria "o cara do Supremo", mas pelo contexto do diálogo se trataria de alguém com o qual Cardozo mantinha contato.
CONTEÚDO PESSOAL
Segundo Saud, o procurador lhe deu "uma dura" ao saber que havia conteúdo pessoal na gravação. "Ele falou: 'Isso dá cadeia! Isso prende o Zé Eduardo amanhã, isso prende ele amanhã. Melhor não, melhor não [incluir a gravação]'. Aí ele: 'Deixa eu ver de novo. E prende você também. [...] Eu vou te orientar, você não fala isso mais nunca'", disse Saud.
A gravação da conversa com Cardozo teria ocorrido na mesma época em que Joesley conseguiu gravar uma conversa com o presidente Michel Temer(PMDB) no Palácio do Jaburu. A Folha apurou que Joesley, Saud e Cardozo de fato mantiveram uma reunião. O empresário teria convidado Cardozo para ser seu advogado, mas o negócio não foi fechado.
Procurado, Cardozo disse nesta terça-feira que "lamenta profundamente o fato e prefere não se manifestar a respeito do assunto".
Segundo a reportagem apurou, a PGR agora tenta identificar se o áudio da reunião com Cardozo existiu de fato. Se ele foi feito, foi destruído ou não foi entregue, é mais um indício de omissão dos delatores que pode comprometer o acordo. Nos inúmeros anexos e documentos entregues pela JBS ao Ministério Público Federal não consta uma gravação de reunião com Cardozo.
A PGR também viu com preocupação a declaração de Saud de que Miller o ajudou a corrigir um anexo da delação, o que em tese reforça que o então procurador estava atuando para a JBS.
'OPERAR'
Em outro trecho da gravação, Joesley fala sobre a importância de Miller nos planos da JBS de fechar o acordo de delação premiada com a PGR. O empresário via Miller como uma forma de acesso a Rodrigo Janot.
"Por isso que nós dois temos [Joesley e Saud] que estar cem por cento alinhados. Nós dois e o Marcello. Nós dois temos que operar o Marcello direitinho para chegar no Janot e pá, tá, tá. Eu acho, é o que eu falei para a [advogada] Fernanda [Tórtima]. Nós nunca podemos ser os primeiros, temos que ser os últimos. [...] Quem vai bater o prego da tampa [do caixão]."
Em outro ponto, Saud demonstra preocupação com o fato de a Procuradoria da República no Distrito Federal ter desencadeado mais uma fase de operação policial para investigar os negócios da JBS, embora ele e Joesley já estivessem em contato com Miller com vistas a uma delação.
Joesley disse que, para ele, era "natural" o Ministério Público Federal manter a pressão. "O Janot sabe tudo, a turma já falou pro Janot", disse Joesley a Saud, que quis saber se o seu chefe entendia que a fonte de Janot seria Miller. Joesley negou. "Não é o Marcello, nós falamos pro Anselmo [procurador do caso Greenfield], que falou pro Pellela [chefe de gabinete de Janot], que falou para não sei quem lá, que falou para o Janot, o Janot está sabendo. Aí o Janot, espertão, o que o Janot falou? 'Bota pra foder, bota pra foder, põe pressão neles para entregar tudo'. Mas não mexe com eles'".
Saud não se conformou com a explicação: "Por que isso não foi combinado pra gente?". "Porque não pode ser combinado. Você não pode entender isso. Eu entendo, eu não devia estar entendendo", respondeu Joesley.
*
LEIA TRANSCRIÇÃO DO ÁUDIO
▶ A atuação de Marcelo Miller no acordo de delação
Joesley: O Janot sabe tudo, a turma já falou pro Janot.
Saud: Você acha que o Marcello está levando tudo para ele?
Joesley: Não é o Marcello, nós falamos pro Anselmo, que falou pro Pellela, que falou para não sei quem lá, que falou para o Janot, o Janot está sabendo. Aí o Janot, espertão, o que o Janot falou? 'Bota pra foder, bota pra foder, põe pressão neles para entregar tudo'. Mas não mexe com eles. 'Bota pra foder, dá pânico neles. Mas não mexe com eles.'
Saud: Deixa eu te fazer uma pergunta. O Marcello deu uma tarefa para nós [inaudível]. É muito fácil, ele quer mais, é isso? E já contou para o Janot que a gente tem muito mais para entregar? O top era o Temer.
Joesley: Vamos lá, vamos dar um passo atrás, assim, na minha cabeça. Marcello é do MPF, ponto. O Marcello tem linha direta com o Janot. Quando eu falo Janot, é Janot, Pellela [chefe de gabinete de Janot], tudo a mesma coisa. Tudo MPF. É Janot, Pellela. Qual o nome daquele outro? Ca, ca... E o outro lá. Ricardo, nós somos joia da coroa deles. O Marcello já descobriu e já falou para o Janot: 'Ô, Janot, nós temos o cara, nós temos o pessoal que vai dar todas as provas que nós estamos precisando'.
(...)
Saud: Como que o Marcello está tão afinado com a gente, o cara mandou escrever tudo hoje [anexos da delação], acabou, quarta-feira nós vamos entregar tudo cem por cento.
▶ Citação a José Eduardo Cardozo e ministros do STF
Saud: Esses caras [da PGR] são tarado, esses caras, são tarado. Tem jeito de ganhar deles nunca.
Joesley: Nunca. Não, vamos fazer assim, nós vamos combinar com eles assim. Quando terminar o nosso serviço, o último nós vai te chamar. Porque aí se der merda...
Joesley: O Renan, o Zé Eduardo. Ele [Marcello Miller] ficou enlouquecido com o Zé Eduardo.
Saud: Ele [Miller] acha que o [ex-ministro da Justiça] Zé Eduardo [Cardoso] é o melhor caminho para chegar no Supremo.
Joesley: Ele te falou isso? O que que ele te falou?
(...)
Saud: Não, contando. Nós chegamos lá, começamos a conversar, o Joesley falando com ele, como é que estavam as coisas, que que tinha feito. (...) Nós falamos, eu falei, inclusive lá nós conversamos: 'Porra, velho, o cara falou que tem cinco...'
Joesley: Ministros.
Saud:...Cinco do Supremo na mão dele. Inclusive muitos conversados e outros não é só palavreado, não, escrito, tal. Ele falou: 'Cinco ele não tem, não. Só se eles contam o Lewandowski até hoje'. 'Ah, isso aí eu não sei'. Deu nome lá. 'Se contar o Lewandowski acho que têm cinco'. 'Mas ele tinha essa intimidade com a Dilma?'. 'Intimidade? Eu vou te contar: eu achei que os três estava fazendo suruba'. Porque ele falou da Cármen Lúcia, eu comecei a contar da Cármen Lúcia. 'Que vai lá falar de sexo com a Dilma, tá os três juntos, tal tal, tal'. 'Ah, ele tem mesmo essa intimidade? Então ele entrevistou os caras, então não é mentira não'.
(...)
Joesley: Eu tô na minha cabeça que nós vamos fazer um serviço tão bem feito que não vai precisar chamar nós [para depor]. Está tudo gravado aí. Nós não temos nada a acrescentar. As gravações, não vai precisar nós.
Saud: Essa parte, não tem como. [...] A não ser que o Zé entregue o Supremo inteiro.
Joesley: O Zé vai entregar o Supremo. Eu vou chamar o Zé, 'porra, a casa caiu, velho eu preciso de você'. (...) E nós vamos botar tudo na conta do Zé.
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