Em apenas um dia, a China anunciou duas novas operações bilionárias no Brasil. De um lado, a China Communications Construction Company (CCCC) assinou memorando de entendimento com o Fundo de Investimentos em Participações Anessa para a construção conjunta do Terminal Graneleiro Babitonga, um projeto privado em São Francisco do Sul (SC), ao custo de R$ 1,6 bilhão. De outro, a China Merchants Port Holdings fechou contrato para a compra de 90% da TCP que opera o Terminal de Contêineres de Paranaguá (PR) por R$ 2,9 bilhões. Mais iniciativas semelhantes pode-se esperar uma vez que o presidente Michel Temer acaba de apresentar aos empresários chineses o programa de privatizações e concessões do governo, envolvendo 57 ativos e investimentos estimados em R$ 44 bilhões.
Os casos são exemplos claros da liderança que o capital estrangeiro vem assumindo nos investimentos feitos no país, especialmente em serviços de infraestrutura. Com o governo tolhido pelos constrangimentos fiscais e os empresários nacionais sobrecarregados por dívidas e enfraquecidos por mais de dois anos seguidos de retração, o capital estrangeiro ocupa espaço cada vez maior. Estudo feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec) mostra que o investimento privado bancado por recursos próprios das empresas brasileiras, entre lucros retidos e poupança, diminuiu de 64,9% para 43,5% entre 2004 e o primeiro trimestre deste ano, enquanto a parcela sustentada pelo investimento estrangeiro cresceu de 17,4% para 29,1% no mesmo espaço de tempo (Valor, ontem).
Os vultuosos volumes de recursos que os chineses estão colocando em infraestrutura já aparecem nas estatísticas do Banco Central e podem crescer ainda mais. A China ficou com uma fatia de 1,6% do total de investimentos diretos no país de 2016, e acumula 0,5% neste ano até julho. Os Estados Unidos continuam na liderança com 12,2% em 2016, percentual que saltou para 26,7% neste ano. Em seguida vêm os Países Baixos, com 19,6% e 16,8%, respectivamente.
Em linha com o interesse desses investidores, o setor da economia que mais capital estrangeiro vem recebendo é o de serviços, que ficou com 45,9% do total em 2016 e abocanha nada menos do 65,9% nos primeiros sete meses deste ano, com destaque para a eletricidade, com 5,5% no ano passado e 19,4% neste ano. O comércio ficou com 10,6% e 11,8%, respectivamente. A indústria, que tinha absorvido 37,6% do capital estrangeiro que ingressou no país como investimento direto, está com 27,9% neste ano. O setor de agropecuária e extração mineral também perdeu espaço, de 16,2% para 5,9%.
Apesar da turbulência política e econômica, o investimento estrangeiro não para de crescer no Brasil, mostram também os dados do BC. Em julho, o investimento direto no país (IDP) foi de US$ 4,1 bilhões, acumulando US$ 40, 4 bilhões no ano em comparação com US$ 34 bilhões no mesmo período de 2016. A dez dias para terminar agosto, já chegava a US$ 45 bilhões no ano. A previsão do BC é que o ano vai terminar com US$ 75 bilhões em investimento direto, mais do que suficiente para financiar o déficit em conta corrente, estimado em US$ 24 bilhões. Ao lado das exportações crescentes, o capital externo também vem ajudando no ajuste das contas externas.
Fazem parte do IDP os recursos destinados à participação no capital e os empréstimos diretos concedidos por matrizes de empresas multinacionais a suas filiais no país e vice-versa. O retorno de investimento brasileiro no exterior também integra essas estatísticas. O investimento para participação no capital foi de US$ 2,6 bilhões em julho, somando US$ 30,7 bilhões no ano, e os empréstimos intercompanhias, US$ 1,5 bilhão no mês passado e US$ 9,6 bilhões no ano.
Entre os fatores que contribuem para esse cenário positivo estão a abundante liquidez internacional, o ajuste gradual dos juros internacionais e a busca de um retorno mais atraente. A recessão e o real mais fraco também tornaram os ativos domésticos relativamente mais "baratos", atraindo o investidor estrangeiro e reduzindo a dependência de capitais mais voláteis para o financiamento das contas externas. Para o restante de 2017 e também para 2018, o BC e os analistas esperam a manutenção desse quadro de contas externas sob controle, com capacidade de absorção de eventuais choques externos e redução de vulnerabilidades, ao lado do câmbio flutuante e do elevado volume de reservas internacionais.
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