quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Gravação de delatores da J&F deixa Janot sob pressão

Joesley Batista e Ricardo Saud afirmam em áudio que procurador sabia de plano para delatar Michel Temer

Marcelo Godoy, Renato Onofre, Valmar Hupsel Filho, Paula Félix, Luís Filipe Santos, Pedro Venceslau, Marianna Holanda e Murilo Ferrari | O Estado de S. Paulo.

Em áudio entregue ao Ministério Público Federal, Joesley Batista e Ricardo Saud, do Grupo J&F, afirmam que o procurador-geral Rodrigo Janot tinha ciência de seus planos de delatar o presidente Michel Temer e “falar” do STF. O diálogo entre os dois ocorreu, provavelmente, dez dias depois de Joesley ter gravado sua conversa com Temer. Caso estivesse em curso uma ação na qual o MPF orienta os colaboradores a produzir provas de crimes, a conversa com o presidente só poderia ter sido gravada com autorização do STF.

Na segunda-feira, ao anunciar que abriria investigação que pode levar ao cancelamento dos benefícios dados aos delatores, Janot afirmou que a PGR não mantivera contato com os executivos da J&F. Ontem, em nota, Joesley e Saud afirmaram que o que disseram na gravação “não é verdade”. A presidente do STF, Cármen Lúcia, pediu que sejam investigadas as menções a integrantes do Supremo. Aliados de Temer deflagraram ofensiva pela anulação do acordo de delação.

Joesley Batista e Ricardo Saud, do Grupo J&F, afirmaram em uma conversa gravada que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tinha ciência prévia dos seus planos para firmar um acordo de delação premiada, que era negociado informalmente com o ex-procurador Marcelo Miller. As declarações contradizem a versão do Ministério Público Federal sobre as tratativas para o acordo, que serviu de base para a denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. O diálogo ocorreu provavelmente em 17 de março, dez dias após Joesley ter gravado sua conversa com Temer no Palácio do Jaburu.

No áudio, entregue ao Ministério Público Federal no último dia 31, o empresário diz que pretendia delatar Temer e “falar” do Supremo Tribunal Federal na colaboração. Caso estivesse em curso uma ação controlada, na qual o Ministério Público orienta os colaboradores a produzirem provas de crimes, o presidente só poderia ser gravado com autorização do STF.

Em Paris, o ministro Gilmar Mendes, do STF, levantou a suspeita de “uma ação controlada sem ordem judicial” e disse que a PGR terá de responder sobre isso.

Anteontem, ao anunciar uma investigação que pode levar ao cancelamento dos benefícios dados aos delatores, Janot afirmou que a Procuradoria-Geral da República não mantivera direta ou indiretamente contato com eles antes de ter sido procurada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista em 27 de março – o acordo foi fechado no dia 7 de abril.

A divulgação do conteúdo do áudio levou a uma ofensiva da defesa de Temer e de aliados no Congresso pela anulação da delação. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, suspendeu o sigilo da gravação.

Ontem, Joesley disse que mentiu no áudio e a PGR afirmou que Janot jamais se encontrou com o empresário e delator.

Na conversa, os delatores relatam contatos com o então procurador Marcelo Miller, um dos assessores de Janot. “O Marcelo deu uma tarefa para nós. O que nós temos é muito fraco e ele quer mais. É isso?”, pergunta Saud. Joesley diz: “Ele já contou para Janot que a gente tem muito mais coisa para contar”. Joesley completa dizendo que ele e seus executivos eram “a joia da coroa deles”. “O Marcelo já descobriu e falou para o Janot: ‘Janot, nós temos um pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos’.”

Na conversa é citado também o chefe de gabinete do procurador-geral, Eduardo Pelella. “O Anselmo (não identificado) falou para o Pelella, que falou pra não sei o quê lá, que falou para o Janot. O Janot está sabendo.”

Aparentemente, a gravação, que tem mais de quatro horas, foi feita de forma acidental.

Ministros. O dono da J&F diz em um trecho que pretendia gravar José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff, como forma de delatálo e, assim, obrigá-lo a ajudá-los a “dissolver o Supremo”. “Você (Saud) com o Zé e eu (gravo) com o Temer.” Os delatores consideravam que ele conhecia fatos graves envolvendo ao menos cinco ministros da Corte.

A conversa prossegue com os delatores dando a entender que estavam negociando os termos

de suas delações com Miller. Mais adiante, ele completa: “Falei para o Marcelo: ‘Marcelo, você quer pegar o Supremo? Entrega o Zé. O Zé entrega o Supremo’”. Este se encarregaria de levar as informações a Janot por meio de um “amigo em comum”, chamado Cristiam.

Segundo Saud, Miller lhe teria dito ainda que Janot, após deixar o cargo, iria trabalhar no mesmo escritório de advocacia onde Miller e Cristiam trabalhariam. Em 5 de abril, Miller deixou o MPF e passou a trabalhar no escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, que participou do acordo de leniência do Grupo J&F.

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