Senado e Câmara cumpriram as orientações do STF sobre os ritos de decisão nas duas Casas
É hora de os congressistas retomarem as votações das reformas estruturais importantes para o Brasil
O Senado cumpriu a determinação do Supremo Tribunal Federal e decidiu sobre o caso do senador Aécio Neves. Assim, mantém-se intocável o fundamento constitucional da harmonia entre Poderes e legitima-se a própria existência do STF: sua palavra é Lei na guarda e interpretação da Carta, na aplicação do Direito e na administração de Justiça.
Tendo procedido conforme o tribunal autorizou, torna-se, portanto, inquestionável, sob o ponto de vista jurídico, a decisão legislativa sobre a permanência do senador mineiro no mandato e com imunidade estendida às medidas cautelares que haviam sido determinadas.
Ouvem-se ainda vozes argumentando que a decisão do Plenário do Supremo foi tomada por maioria apertada, como se isso lhe retirasse legitimidade. Tal argumentação é frágil na essência, sem relevo, simplesmente porque não tem importância à luz do mandamento constitucional: sobre processos e aplicação da lei é do Supremo a última palavra, por maioria ou por unanimidade — e ponto.
Uma das consequências práticas é o precedente estabelecido. Há dezenas de senadores e deputados federais envolvidos em inquéritos criminais. Até então existia margem para dúvidas sobre procedimentos nas hipóteses similares de afastamento do mandato ou adoção de medidas cautelares diversas à prisão, como prevê o Código de Processo Penal em capítulo específico.
Supremo liquidou a incerteza quanto ao rito, baseando-se nos preceitos constitucionais. Em casos assim, a Casa congressual decide se referenda o ato dos juízes — como ocorreu no Senado. Assume o bônus ou o ônus da repercussão de sua opção junto à opinião pública.
É preciso ponderar, no entanto, sobre um aspecto desse processo decisório, tendo-se como referência a rota escolhida pelo Senado na terça-feira em relação ao caso do senador mineiro. Tudo indica que os senadores perderam uma oportunidade rara na política. Poderiam ter enviado à sociedade uma clara mensagem de confirmação do vigor da democracia brasileira, com expresso zelo pela separação e pela harmonia dos Poderes.
No cumprimento da autorização dada pelo Supremo, poderiam ter reafirmado a excelência do Supremo como guardião da Constituição e instância penal superior, onde atuam magistrados com conhecimento específico sobre o que é melhor ao andamento dos processos no interesse de se fazer justiça. Se o STF considerou essencial impor a um parlamentar medidas cautelares diversas à prisão no curso de um inquérito, segundo as normas legais instituídas pelo próprio Congresso, teria sido melhor o Senado proferir a última palavra na arena política, como lhe autorizou o Supremo, mas, ao mesmo tempo, referendando as medidas cautelares que os juízes julgaram necessárias. Teria salvaguardado a sua autonomia mas também reconhecido que aqueles que entendem qual o melhor caminho para se fazer justiça são os juízes.
Reconhecer a expertise do Supremo na administração da lei teria sido, no mínimo, não apenas homenagem ao tribunal, mas um gesto afirmativo sobre as virtudes e a solidez da democracia brasileira, tantas vezes festejada pelos senadores em discursos na sessão da última terça-feira.
A causa dos sucessivos episódios de instabilidade é óbvia, o foro privilegiado. Nesse aspecto, tende a ter razão o ministro Barroso quando diz que o foro privilegiado deixa o STF no papel de juizado criminal de primeiro grau, que não é papel adequado a nenhuma Corte constitucional. O julgamento da restrição do foro especial aos chefes dos três Poderes foi interrompido no Supremo. Precisa ser retomado e concluído, até para que a eleição geral de 2018 aconteça em terreno menos acidentado. Hoje, a única certeza política possível no país é a data da eleição do ano que vem, outra ironia da solidez da Constituição que completará 30 anos em vigor.
Apesar dos percalços e desta chance perdida, vale lembrar que dentro do Congresso, nesses dias, desenvolve-se um espetáculo político cuja essência é a obediência às regras da Constituição em vigor há três décadas. No outro lado da sede do Legislativo, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara avança na análise da denúncia contra o presidente Michel Temer. Apresentada pelo Ministério Público Federal, foi encaminhada pelo Supremo para decisão dos deputados federais.
Como ocorreu com a primeira denúncia, em meados do ano, a comissão a rejeitou, no que, provavelmente, será seguida pela maioria do plenário. Essa era a perspectiva prevalecente até a noite de ontem. Qualquer que seja a decisão da Câmara, haverá sempre julgamento da opinião pública, mas é necessário ressaltar: todo o procedimento legislativo, até agora, está seguindo estritamente as balizas constitucionais, como determinou o STF.
A comissão atuou legitimamente, dentro desses limites, ao votar pela não continuação do processo enquanto Temer estiver na Presidência da República.
Mas este jornal lamenta que, numa análise em retrospecto, a realidade demonstre o que foi aqui afirmado desde a eclosão do escândalo envolvendo o presidente: o país está hipnotizado, desde maio, sem que se decidam as reformas essenciais à estabilidade nacional. O presidente, sobre quem pesam acusações de gravidade ímpar, concentra energias na sua defesa, envolvendo o ministério e os legisladores. Para que o país avançasse, melhor teria sido seu afastamento.
Não sendo esse o entendimento da Câmara como tudo está a indicar, e estando ela em seu direito constitucional, resta o apelo da sociedade aos parlamentares para que, após a decisão sobre o processo contra o presidente, concentrem esforços na agenda de reformas, principalmente as da Previdência Social e do sistema tributário.
Elas são vitais para que o país avance no calendário eleitoral de 2018 com um horizonte minimamente desanuviado na economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário