quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O pacto da transição | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A rejeição da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara era pedra cantada. O Palácio do Planalto sempre teve maioria para isso, tanto que indicou o relator da matéria, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), à revelia de sua própria bancada, com o apoio velado do presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Em nenhum momento a decisão esteve ameaçada.

Isso significa que a situação de Temer no plenário da Câmara será mais confortável do que na primeira denúncia? Não, por três razões que precisam ser levadas em conta. Primeira: o realinhamento de forças no interior da base do governo, que começou na primeira denúncia e deve se consolidar agora. Segunda: a maior proximidade das eleições dificulta a mobilização dos aliados da antiga oposição para o voto aberto contra a investigação. Terceira: até a tropa de choque de Temer tem interesse em que o Palácio do Planalto saia do processo mais enfraquecido e dependente do seu apoio.

Os atritos do grupo palaciano com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no decorrer da semana passada, foram um sinal claro de que há um estranhamento entre o presidente da República e seu principal aliado, apesar das juras de amor de ambas as partes nos últimos dias. Maia já deixou mais do que claro que não cobiça o lugar de Temer na Presidência, embora seja o seu sucessor natural em caso de aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento imediato de Temer do cargo.

Houve uma espécie de demarcação de posições. Maia sinalizou para Temer que pretende ser tratado como um aliado com autonomia e dono da pauta da Câmara. Já havia mandado recado nesse sentido, ao avisar que não devolveria uma medida provisória que implicasse em elevação de impostos. Nos bastidores, há inquietação no partido de Maia em relação às eleições de 2018, principalmente em alguns estados importantes, nos quais a legenda pode apresentar candidatos competitivos, como ocorre na Bahia, com o prefeito de Salvador, ACM Neto; em Goiás, com o senador Ronaldo Caiado; e no Rio de Janeiro, com Cesar Maia, pai do presidente da Câmara.

Alternativa de poder
Ao contrário do que muitos imaginam, o enfraquecimento de Temer na própria base parlamentar não é resultado da escassez de cargos no governo, nem de recursos do orçamento para liberação de verbas. É a progressiva redução de seu mandato, o recurso mais escasso de que dispõe, pois estamos a um ano das eleições. A “sombra do futuro” de Temer encolhe a cada dia que a eleição se aproxima. E o governo ainda não tem uma alternativa de poder a oferecer, ou seja, um candidato competitivo que possa chamar de seu. No fundo, o grupo palaciano gostaria mesmo era que Temer enchesse as velas da sua própria reeleição com o vento pela popa da queda da inflação e da taxa de juros. O que mais atrapalha isso é o desemprego.

Apesar da retórica, a oposição também não deseja a saída de Temer. Prefere vê-lo sangrando no cargo. Os duros ataques de seus representantes da Comissão de Constituição e Justiça, ontem, em nenhum momento foram acompanhados da tentativa de mobilização popular para pressionar os integrantes dela. É certo que existe um ambiente de melhoria na economia que ajuda a dissipar os protestos de massa, como as mobilizações “espontâneas” do impeachment de Dilma Rousseff. Mas as velhas bandeiras vermelhas e cartazes das centrais sindicais eram para tremular na Praça dos Três Poderes, porém, não é o que se vê.

Há uma espécie de pacto tácito entre governistas e oposicionistas para continuar se beneficiando da máquina federal e capitalizar o desgaste do governo, respectivamente. Essa já era uma tendência por ocasião da votação da primeira denúncia, mas se acentuou ainda mais agora, porque o debate das reformas perdeu completamente o protagonismo. O Palácio do Planalto ainda acena essa bandeira para os agentes econômicos, mas seus avanços são na direção do atendimento de interesses dos grupos de pressão com forte atuação fisiológica, corporativa e patrimonialista. O exemplo mais recente foi a mudança em relação à legislação sobre trabalho escravo, para beneficiar a bancada ruralista.

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