O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, voltou a tratar do problema do uso cada vez mais frequente das Forças Armadas em operações de segurança pública, o que demonstra a importância que os militares lhe dão e o tamanho da preocupação que ele acarreta. Foram duas manifestações em apenas duas semanas. Desta vez, em entrevista a Tânia Monteiro, publicada pelo Estado, ele se estendeu mais sobre a questão – de forma clara e direta –, apontando os perigos que essas ações representam para a instituição, com a agravante de que não resolvem o problema.
Antes, em mensagem divulgada no Twitter dia 30 de dezembro passado, a ênfase foi na repetição das ações para Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Agora, um dos pontos principais é o que se refere ao risco de “contaminação das instituições” pelo crime organizado, que vai da sua interferência no processo político – com a colocação de pessoas ligadas à delinquência, ou mesmo chefes de quadrilhas, em cargos públicos importantes – à cooptação de pessoal das tropas empregadas naquelas ações. Segundo o general Villas Bôas, o fato de “as facções criminosas do Rio e de São Paulo” se estenderem para outros Estados e sua relação com o narcotráfico em nível internacional dão-lhe uma força que aumenta muito aquela capacidade de contaminação.
Nesse caso, o comandante do Exército vai direto ao que interessa aos militares: “Há preocupação de contaminação das tropas, e por isso queremos evitar o uso frequente das Forças Armadas”. Para comprovar que esse temor tem bases concretas, cita o que chama de “desvios” de integrantes das tropas em ação no Rio, registrados recentemente: “Foram pontuais, restritos a um ou outro indivíduo, de nível hierárquico baixo. Está infinitamente distante de representar um problema sistêmico ou institucional. Mas temos preocupação e estamos permanentemente atentos”.
É justamente porque o problema ainda não é grave, mas certamente virá a sê-lo, que é agora o momento certo de agir para evitar o pior. E a mais do que sabida capacidade de corrupção e cooptação do crime organizado, em especial o narcotráfico que movimenta somas fabulosas de dinheiro, justifica plenamente os temores expressos pelo general Villas Bôas. Os exemplos dos cartéis da droga da América Latina, cujo poder de corrupção pode atingir todas as instituições do Estado, não deixam dúvida sobre isso.
Quanto à origem do problema da segurança pública, o comandante do Exército repete aquilo que todo mundo sabe, e há muito tempo: “Tem havido negligência em relação à segurança pública em grande parte dos Estados”. Uma negligência que persiste – pode-se acrescentar – mesmo com o agravamento constante da situação, o que demonstra o descaso das autoridades estaduais. É como se, em vez de reagir ao perigo, elas preferissem a solução fácil de transferir o problema para o governo federal, por meio da utilização das Forças Armadas.
E o pior é que isso não resolve nada, pois “o simples emprego das Forças Armadas não tem capacidade, por si só, de solucionar os problemas de segurança pública que estamos vivendo”. Como se isso não bastasse, há um outro componente a ser levado em conta nessa questão e cujo risco não se deve menosprezar. “Há preocupação de uso político das Forças Armadas com a proximidade das eleições, porque governos, não querendo sofrer desgastes políticos com a população e em determinadas situações por comodidade, solicitam intervenção federal”, afirma o comandante do Exército.
Em resumo, além do emprego das Forças Armadas em ações que as desviam de suas funções, e que por isso só se justificam excepcionalmente, e do risco de sua contaminação pelo crime organizado, há ainda a real possibilidade de seu uso político. São demasiados riscos, que podem acarretar consequências nefastas para sua missão de defender a soberania nacional e garantir os poderes constitucionais. Daí a necessidade de ouvir com muita atenção a advertência do general Villas Bôas.
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