- Folha de S. Paulo
Tenha ou não Donald Trump se referido a nações africanas e ao Haiti como "países de merda" ("shithole countries"), o poder do palavrão é algo que impressiona.
A primeira surpresa diz respeito aos efeitos dessas palavras-tabu. Por que elas despertam reações tão veementes naqueles que as ouvem. Se Trump tivesse usado o termo "países subdesenvolvidos" ou mesmo "países fracassados", teria transmitido o que pensa sobre essas nações sem despertar tanto alarde. Como disse "países de merda", desencadeou uma série de consequências diplomáticas e políticas. É possível até que esse incidente contribua para o fracasso de um acordo acerca dos "dreamers".
Outro paradoxo está na própria existência de palavras-tabu. Por que diacho desenvolvemos uma linguagem e logo a seguir escolhemos alguns termos para "proibir"? A julgar pelas evidências científicas, estamos falando de mais do que uma frescura. Xingamentos, palavrões e profanidades integram circuitos cerebrais diferentes dos da linguagem ordinária. Há casos de pessoas que sofrem lesões cerebrais que lhes tiram a capacidade de falar (afasia), mas conseguem praguejar. Ao que tudo indica, a forma ultraemocional com a qual lidamos com certas palavras tem base biológica.
Igualmente intrigante é o fato de termos escolhido fluidos corporais para compor a lista de termos-tabu. Fezes, urina, sêmen e pus, entre outros, são subprodutos de nossos corpos com os quais lidamos constantemente. Mas, quando nos referimos a eles pelos nomes "merda", "mijo", "porra" ou "pústula", provocamos reações hiperbólicas. Uma hipótese, levantada por Steven Pinker, é que esses fluidos são muitas vezes vetores de doenças, das quais tentamos nos proteger não só física como também linguisticamente.
Seja como for, essa é mais uma modalidade do pensamento mágico que tanto assombra nossa espécie
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