- O Estado de S.Paulo (25/3/2018)
Votos do ex-presidente não necessariamente vão todos para as opções de esquerda
Lula ganhou algum tempo no Supremo Tribunal Federal e pode até ter a prisão postergada indefinidamente caso os ministros lhe concedam habeas corpus após o longo feriado da Páscoa Suprema. Mas dificilmente será capaz, também, de engavetar a Lei da Ficha Limpa e estar na cédula em outubro. E para onde irá um patrimônio de espantosos quase 30% dos votos já declarados?
Para responder à pergunta que parece açular a cobiça de pré-candidatos de A a Z – alguns tão inebriados pelo próprio sonho que desconhecem a completa inviabilidade de sua postulação – é preciso entender melhor quem é esse renitente eleitor lulista.
Grupos focais de classes C, D e E em pesquisas qualitativas mostram que trata-se de alguém que vota no petista porque obteve, em seus governos, algum ganho pessoal: colocou o filho na universidade, obteve uma casa, comprou bens de consumo antes inacessíveis. E perdeu esse status depois.
Esse eleitor não considera Lula um guerreiro do povo brasileiro, perseguido pelas instituições ou vítima de um golpe. Pelo contrário: nos grupos de pesquisas, é comum as pessoas dizerem que sabem que Lula é responsável pela corrupção na Petrobrás e em outras áreas do governo, que acham que se beneficiou pessoalmente de propinas, mas ainda assim votam nele.
O lulista pragmático não é de esquerda. Portanto, não vai olhar para as várias opções de candidatos de esquerda que se colocam como eventuais herdeiros de Lula – e só essa expectativa explica o espetáculo da multiplicação de candidaturas nesse campo.
Há uma boa parcela dos órfãos de Lula querendo ser adotada por Jair Bolsonaro, o que deve fundir a cabeça do militante de boné e camiseta que se emociona ao postar #freelula em suas redes.
Esse segmento enxerga no candidato da extrema-direita qualidades que também atribui ao caudilho da esquerda: cabra-macho, fazedor, corajoso, nacionalista, capaz de “enfrentar” os poderosos etc.
Segundo Maurício Moura, do Ideia Big Data, desde 2017, quando o instituto começou a tentar ver para onde iria o voto lulista, há sempre uma parcela entre 10% e 15% que migra para Bolsonaro. “No Rio de Janeiro, esse número sobe para 40%”, diz ele à coluna.
Esse híbrido de lulista e bolsonarista é majoritariamente homem, de até 35 anos, morador de grandes centros urbanos e de classe C. Muito concentrado no Sudeste.
Há ainda outra migração improvável: de Lula para Joaquim Barbosa, que até aqui ainda pena para viabilizar sua candidatura. O algoz de PT no mensalão aparece em pesquisas do próprio PT como um candidato capaz de abiscoitar os votos do chefe. Pela origem humilde, a história de vitória pelo mérito e, de novo, o voluntarismo/coragem. Tanto é assim que Barbosa foi apontado como candidato forte por ninguém menos que José Dirceu, em recente jantar com deputados, como informei no BR18.
Para pirar ainda mais os que só conseguem ter uma visão polarizada e binária da política: Barbosa pode entrar com sucesso no eleitorado de…Bolsonaro. Disputaria com ele o título – equivalente a uma carta de “saída livre da prisão” no Banco Imobiliário – de “candidato não citado na Lava Jato”, com um plus em relação ao candidato do PSL: é novo na política e deu uma contribuição real e pessoal no combate à corrupção, no mensalão.
Num pleito em que o eleitorado vai às urnas indignado, como ficou muito claro com as reações ao espetáculo dantesco do STF na semana que passou, tentar “blocar” os candidatos e projetar o segundo turno segundo métricas passadas, como esquerda x direita ou PT x PSDB, parece não só redutor da realidade como um caminho certo para erros. De partidos e analistas políticos, jornalistas incluídos.
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