- O Globo (25/3/2018)
STF irá contra sua jurisprudência se conceder habeas corpus a Lula. O julgamento do habeas corpus em favor do ex-presidente Lula no dia 4 de abril colocará o Supremo Tribunal Federal (STF) diante de um dilema que obrigará a eventual nova maioria contra a prisão em segunda instância a se pronunciar sobre o mérito do processo, antecipando uma disputa jurídica com o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Ficará claro, caso o habeas corpus seja concedido, o que todo mundo já comenta: o STF está tomando uma decisão contrária à sua própria jurisprudência. O ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava-Jato no STF, indeferiu todos os pedidos da defesa do Lula ao apreciar a primeira liminar, assim como o aditamento, após a Quinta Turma do STJ ter negado por 5 a 0 o habeas corpus.
Estranhamente, Fachin enviou para o plenário o processo que havia recusado, em vez de simplesmente negá-lo liminarmente, e deu margem a toda essa confusão jurídica. Encaminhou na sessão de quinta-feira um voto de não admissibilidade e foi derrotado em plenário. Na próxima sessão, o ministro Fachin vai encaminhar a votação do mérito do habeas corpus e pretende apresentar uma premissa a seus colegas de STF que vai colocá-los em situação delicada. Se isso é possível.
Como tem dito, para ele o mérito a ser julgado consiste em saber se a decisão da Quinta Turma do STJ representa abuso de poder ou contém alguma ilegalidade. Só nesse caso, na opinião de Fachin, é possível acatar o habeas corpus. A Quinta Turma do STJ negou a concessão de um habeas corpus preventivo pedido pela defesa nos mesmos termos em que foi apresentado ao STF, isto é, para evitar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva após o julgamento dos embargos declaratórios contra a condenação no TRF-4.
Os votos dos ministros do STJ foram na mesma direção: somente o STF pode mudar sua própria jurisprudência. Disse o ministro Reynaldo Soares da Fonseca: “Na seara constitucional, a última palavra é do Supremo Tribunal Federal. Não cabe às instâncias ordinárias nem ao STJ alterar o entendimento da Suprema Corte. Somente os membros da Suprema Corte podem alterar, mitigar o efeito vinculante”. Já o ministro Marcelo Navarro foi objetivo: “Em todos os casos em que se discutiu a pena privativa de liberdade, salvo quando havia ilegalidades, esta corte superior entendeu que a execução deveria ter início”.
Essa é a questão central, segundo Fachin. Se o plenário do STF considerar que o STJ cometeu ilegalidade ao negar o habeas corpus a Lula, terá que assumir essa tese, colocando-se contra o STJ, que tomou a decisão com base na jurisprudência do STF.
Se a maioria assim entender, o mérito da ação acabará sendo julgado, mesmo não sendo o objeto do habeas corpus. Ficará claro que a maioria quer que a prisão aconteça depois do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), que não têm data para entrar na pauta, ou após julgamento de recurso especial no STJ ou somente após o trânsito em julgado, como querem alguns.
Na verdade, não há nenhuma razão para dar um habeas corpus ao ex-presidente, já que ele não está exposto a nenhuma ilegalidade, mas sim ao que determina uma decisão do próprio Supremo.
A hipotética mudança da maioria em direção à definição de que a prisão poderá ser feita após decisão da chamada terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que parece ser a tendência predominante hoje na corte, não pode se transformar em uma presunção de ilegalidade para permitir a concessão do habeas corpus.
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