- Valor Econômico
O fim de um casamento que já deu o que tinha que dar
A trinca aberta pela leniência da Odebrecht no muro de contenção da Lava-Jato é a pior notícia para quem ainda aposta num centro unido em outubro. Menos pelo que será capaz de fazer em relação à operação e mais pela cizânia que pode produzir.
O controle dos negócios da União está espalhado em três instituições, a Advocacia-Geral, a Controladoria-Geral e o Tribunal de Contas. O Sistema U, como um dia o nominou Elio Gaspari, é uma hidra com técnicos de excelência que municiam decisões de conselheiros e ministros politicamente indicados.
Atua em conjunto, desde sempre, no pente fino dos acordos de leniência firmados entre o Ministério Público e as empresas de delatores. O chamariz dos acordos de delação é a perspectiva de liberdade dos infratores e a sobrevivência de suas empresas, não necessariamente nessa ordem.
Questionamentos técnicos sobre os danos ao erário produzidos pelas propostas de leniência, têm sido usados para retardar e minar acordos de delatores voltados contra grupos políticos com ingerência sobre as instituições de controle.
Depois de três anos de arrastadas negociações, a leniência da Odebrecht foi assinada por CGU e AGU, isolando o TCU, na guerrilha contra o acordo. Ontem, por unanimidade, o tribunal resolveu rejeitar a cautelar que ameaçava suspender a leniência. A decisão dos ministros contrariou a resistência dos técnicos do tribunal. Ao contrário do que sugere, no entanto, foi uma decisão permeada de injunções políticas.
A decisão foi tomada pela unanimidade dos integrantes do tribunal. Muitos dos ministros enfrentam investigações ou lidam com o enredamento de familiares em processos no Ministério Público, o que fragiliza sua resistência à pressão dos procuradores e da burocracia da CGU e da AGU pelo acordo. O desfecho acontece ainda durante as férias do ministro Bruno Dantas, relator do caso.
Ministro a quem não faltam predicados acadêmicos e concursos públicos, Dantas mantém relações privilegiadas na política e no setor privado, a começar da CSN de Benjamin Steinbruch, de quem foi consultor jurídico. Ao contrário de outros ministros enredados, Dantas trafega desimpedido pelo TCU, em vaga nominada pelo Senado Federal à qual foi indicado por Renan Calheiros, então presidente da Casa. Tem, por isso, mais liberdade para burilar o papel do tribunal como trincheira de resistência da Lava-Jato do que a maioria de seus colegas.
Trafega pelos acordos políticos do Centrão com a mesma fluência com a qual debate, de igual para igual, com o corpo técnico do TCU, as cláusulas de inidoneidade e a gerência dos negócios da União. Não custou a afinar com os auditores a ideia de que ali estava em jogo a defesa das prerrogativas da corporação frente àquelas da AGU e da CGU.
Deparou-se, na Advocacia-Geral, com outro trator da burocracia estatal, a ministra Grace Mendonça. Funcionária de carreira, e, durante anos, encarregada do diálogo da instituição com o Supremo Tribunal Federal, a ministra se valeu das boas relações na Corte, para ganhar ascendência nas negociações de um governo cujo titular é alvo de investigações. Se Michel Temer tirasse uma segunda vez na loteria e pudesse indicar mais um ministro à Corte, Grace integraria, com favoritismo, qualquer lista de cotados, repetindo a trajetória de Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Com o avanço dos acordos de leniência, além da simpatia de ministros do tribunal, uma eventual candidatura já estará pavimentada por sua colaboração no combate à corrupção.
O acordo, celebrado em Brasília como uma vitória da burocracia da transparência, foi acompanhado de perto pelo Palácio do Planalto. Seu desfecho sugeriu, a aliados do governo, do Centrão ao MDB, que o presidente Michel Temer, a quem respondem a controladoria e a advocacia, decidiu abandoná-los na estrada.
Mais preocupado com os inquéritos da JBS e dos Portos, que ameaçam sua liberdade na volta à planície, o presidente teria concluído que o estrago da Odebrecht estava feito e devidamente terceirizado. O mesmo não acontece em relação ao potencial de dano das delações da empreiteira em relação aos mandatários de sua coligação e também acionistas do Tribunal de Contas, do MDB de Renan Calheiros e José Sarney, ao PP de Ciro Nogueira.
Não passou desapercebido a esses (ex-)aliados do presidente, a desenvoltura com a qual o ministro da Segurança Nacional, Raul Jungmann, atuou junto à Polícia Federal para que a ordem do desembargador da 4ª Região da Justiça Federal, Rogério Favreto, de soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fosse cumprida.
A compilação de gestos de boa vontade do governo com a Operação Lava-Jato, no entanto, está limitada pelas dificuldades do próprio presidente da República na arena. A necessidade de reforçar sua retaguarda jurídica nos tribunais superiores, somada ao afastamento do presidente de sua base, também podem explicar, por exemplo, a sucessão no Ministério do Trabalho.
Vaga cativa do PTB, a pasta acumulou titulares sucessivos com problemas policiais. Em vez de oferecê-la a um outro partido de sua base, o presidente resolveu recorrer a uma indicação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, com acesso cada vez mais franco a todo o alfabeto dos assuntos do governo. Além de ter sido desembargador da Justiça do Trabalho, o novo titular da pasta foi sócio de um dos escritórios mais bem relacionados em cortes superiores do país.
O distanciamento entre o presidente e seus (ex-)aliados fica patente ainda nas dificuldades do ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, nome mais próximo daquilo que se pode entender como candidatura governista.
Sem chance de fazer sucessor, Temer reforça pontes com o Judiciário que aí está. A trinca no Sistema U enfraquece as chances dos (ex-)aliados de atuar na arena e concentra sua aposta em outubro. Não é um rompimento, mas o fim de um casamento que já deu o que tinha que dar.
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