Em crise terminal, a Venezuela encara agora um tardio Programa de Recuperação, Crescimento e Prosperidade Econômica, um título exemplar da grandiloquência oficialista que contrasta com a penúria do país. Até sexta-feira formalmente milionários, com salário mínimo de 60 milhões de bolívares fortes, os venezuelanos nada compram com essa montanha de papel pintado. E, ainda que valessem algo, não encontrariam a maioria dos bens básicos cotidianos de que necessitam, em falta há muito tempo. Na segunda, o governo de Nicolás Maduro deu início à troca de moedas, na qual o bolívar forte perdeu 5 zeros e transmutou-se em bolívar soberano. O salário mínimo foi aumentado em 3.365% e o câmbio, desvalorizado em 95%.
O plano rompe longos meses de inação e tentará deter uma inflação que já escapou há muito do controle. O Fundo Monetário Internacional estima que o ano termine com um galope de preços de 1 milhão por cento. A Assembleia Legislativa, colocada no ostracismo pela Constituinte chavista, calcula que o ritmo atual é de 82.700%, com variação mensal de preços de 125% (julho). À escassez de mercadorias e carestia soma-se uma recessão que em cinco anos reduziu o Produto Interno Bruto a quase 50%, uma dilapidação de riqueza só comparável a calamidades, como guerras civis.
A primeira missão do plano de Maduro é prática. Tornou-se impossível a troca física de dinheiro por mercadorias. Cortaram-se cinco zeros, depois de outros três cortados em 2008, o que torna um velho bolívar o equivalente a 100 milhões de bolívares fortes. O dólar, que quando Chávez tomou posse valia 0,55 bolívar, passou a valer até sexta-feira, 60 milhões de bolívares fortes e, agora, 60 bolívares soberanos, uma multiplicação de mais de 11 milhões de vezes (cálculos do jornal Tal Cual).
No caos venezuelano, o déficit público é superior a 15% do PIB e a dívida pública ultrapassa US$ 90 bilhões, enquanto que as reservas internacionais giram em torno de US$ 20 bilhões, embora esses números não sejam confiáveis em um país que aboliu a divulgação da taxa de inflação. A única fonte de divisas fortes do país, e de sua riqueza, é o petróleo, mas, com a aguda incompetência chavista, a produção é cadente e chega hoje a um terço de seu auge, de 3,2 milhões de barris diários.
A Venezuela importa quase tudo que precisa e o estrangulamento externo é um dos ingredientes da escassez de mercadorias e da disparada da inflação, ao lado dos gastos do governo e dos subsídios de toda ordem. Completa o quadro a estatização de boa parte do parque produtivo nacional, com a previsível e profunda queda de produtividade da economia dela decorrente.
Maduro quer resolver parte do problema com uma moeda virtual, ou criptomoeda, o petro, que na largada equivale a US$ 60, da cotação do barril de petróleo pesado venezuelano, cujo valor futuro é uma incógnita - possivelmente, será fixado arbitrariamente pelo governo. Alguns governistas mencionam que o petro está lastreado nas reservas de petróleo, as maiores do mundo. Se for assim, Maduro poderá emitir bolívares à vontade e a hiperinflação acabará de destruir o país. Lastrear a moeda em bens tangíveis finitos é uma volta à moeda pré-fiduciária. Com a redução das reservas haverá um aperto de liquidez permanente e crescente.
O programa prometeu liberalizar o comércio de dólares, ao criar 300 casas de câmbio e estabelecer leilões quase diários de divisas. Mas não há dólares - o motivo da parafernália de 9 sistemas de controle sucessivos - e o efeito será certa liberdade de troca da moeda americana em poder de empresas e pessoas físicas, além da perda de fôlego do câmbio negro.
Tampouco se trata de uma âncora cambial, já que o país não tem reservas para sustentá-la e teria de fazer um ajuste fiscal duríssimo, que não virá com este governo. O salário mínimo aumentou mais de 30 vezes, ainda assim abaixo da inflação, mas a oferta de bens continuará precária, o que dará mais fôlego aos preços. O aumento de impostos (4 pontos percentuais no IVA, exclusive alimentos e medicamentos) não trará receitas expressivas em uma economia em brutal depressão. O aumento da gasolina, igualmente inflacionário, será feito aos poucos e conviverá com subsídios destinados a quem possui um carnê dado pelo governo.
O plano não é crível, e o governo que o engendrou, impopular. O êxodo venezuelano, que movimentou 2,3 milhões de pessoas, deve se intensificar, em uma tragédia humanitária que desafia o grau de solidariedade dos países vizinhos.
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