- O Estado de S.Paulo
O ponto de partida para qualquer reflexão sobre o atentado contra o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) é o repúdio ao ato que pôs em risco sua vida. O segundo ponto importante é que esse ataque é mais um fato que indica a reintrodução da violência na política brasileira. Neste ano, tivemos o assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL) e os ataques à caravana de Lula no Sul do País – em 2016, candidatos a vereador e a prefeito haviam sido assassinados.
O atentado a Bolsonaro fez com que mais um ator importante na atual disputa seja visto como vítima – e ele o foi de um atentado –, a exemplo de Lula, que se apresentava como perseguido pela Justiça. Isso traz à disputa um novo ingrediente emocional – não pelo lado mais virtuoso –, mas por meio da piedade e de outras emoções que não são boas conselheiras para o eleitor que deve escolher quem governará o País. Isso pode fazê-lo perder a racionalidade de seu voto, que se manifestaria por meio do exame de programas e propostas para verificar quais são os mais adequados para tirar o País desta crise, a mais grave do período republicano.
O caso traz outro risco neste momento. Candidatos como Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB) corretamente chamavam a atenção para aspectos do discurso de Bolsonaro, que desconsiderava direitos das mulheres, para gestos como o de armar crianças e para o incentivo ao confronto entre setores sociais. Ficam agora prejudicados, pois quem fizer esse tipo de crítica estará na difícil posição de atacar alguém internado em hospital em estado grave. Ficam assim seus adversários desprovidos da possibilidade de questionar aspectos do discurso de Bolsonaro que incitam a violência, como em um retorno ao estado de natureza, em que há a guerra de todos contra todos.
O sistema democrático é a alternativa para enfrentar os conflitos de sociedades desiguais, como a nossa, de forma pacífica. Isso tem de ser construído por todos que querem liderar a Nação, mas isso não prospera diante da incitação à violência. É preciso que haja diálogo, tolerância e reconhecimento da legitimidade dos adversários. A emoção em torno do atentado retira a racionalidade do debate e alimenta a condescendência em relação ao candidato. Ela rebaixa o debate para o terreno das emoções, o que não é a melhor forma de se fazer a escolha do novo presidente, uma escolha que pode comprometer nosso futuro pelos próximos 20 anos.
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* Cientista político e professor da USP
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