- Folha de S. Paulo
A tentação sociológica é irresistível. Tendemos a engendrar uma explicação social para as manchetes do noticiário —uma narrativa segundo a qual um episódio é fruto de um traço ou tendência da sociedade brasileira. Mas a influência social não explica tudo —seu poder é muito menor do que professores de ciências humanas acreditam.
Em muitos casos, a biologia humana ou a medicina explicam mais. O homem que ejaculava em mulheres nos ônibus de São Paulo não é produto do machismo ou da “cultura de estupro”. Segundo a família, ele passou a ter aquele comportamento bizarro depois de sofrer um acidente de carro que danificou seu cérebro.
Da mesma forma, Adelio Bispo de Oliveira não esfaqueou Bolsonaro a mando do PSOL ou porque era de esquerda. É forçar a barra dizer que foi motivado pela descrença na democracia, pela tensão das redes sociais ou pela intolerância de socialistas mais raivosos.
O agressor de Bolsonaro é um lunático. Como o homem que atirou em Ronald Reagan em 1981 para ficar famoso, ou o fã que um ano antes matou John Lennon. Oliveira disse ter esfaqueado Bolsonaro a mando de Deus; lutava contra uma suposta conspiração da maçonaria. Segundo um parente, passava o dia sozinho num barracão da família.
Mas lunáticos, não só gente sã ou grandes personalidades, também escrevem a história. Dependendo do que ocorrer nos próximos dias, o atentado contra Bolsonaro tem, sim, algum potencial para desestabilizar a democracia.
A piora do quadro médico do candidato pode resultar em convulsão social e uma escalada de violência. Teremos um problema se adversários ideológicos deixarem de acreditar nas eleições e no debate como formas de enfrentamento político. Quero acreditar que há poucas chances disso acontecer. Partidos e candidatos a presidente se apressaram para condenar o atentado e até desejar uma boa recuperação ao adversário. Fora alguns malucos e espantalhos da internet, a democracia ainda tem valor entre as forças políticas do Brasil.
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