- O Globo
Dúvida é se Bolsonaro se apresentará como uma vítima vingadora, ou se haverá mudança de tom para atrair os eleitores mais ao centro
O ambiente é absolutamente fluído, e as consequências do atentado a Jair Bolsonaro podem ter os mais variados desdobramentos. Um mês antes das eleições, o tempo é líquido no Brasil. A situação do candidato do PSL antes de ir para Juiz de Fora era a de quem liderava a eleição sem Lula, mas havia tido um aumento da rejeição e perdia no segundo turno para Ciro, Marina e Alckmin. Agora, tudo dependerá dos próximos movimentos de cada um dos atores desta campanha.
Na segunda-feira, o Datafolha poderá mostrar a reação no eleitorado nas primeiras horas do atentado. A pesquisa é preciosa como um instantâneo. Na terça-feira, o PT anunciará sua chapa. O que o candidato oficial a vice, Fernando Haddad, disse na Globonews, respondendo a Merval Pereira, foi que ele pode ser vice do Lula, mas de nenhum outro. O que ficou implícito é que se for vencedora no PT outra corrente que não a que tem sustentado o ex-prefeito de São Paulo, seja consagrando Gleisi Hoffmann, seja Jaques Wagner, a vice será a ex-deputada Manuela D’ávila, do PCdoB.
A decisão das principais campanhas de suspender as atividades foi importante para evitar qualquer palavra impensada. A um mês das eleições, a dúvida do eleitor é elevada, e foi isso que a pesquisa Ibope mostrou. Num quadro desses, qualquer fator interveniente produz efeitos encadeados e incertos, aumentando ainda mais a imprevisibilidade.
Na pesquisa do Ibope, parte dos eleitores de Lula se dispersou de forma fragmentada, indo para Ciro, Haddad e até Bolsonaro. Os eleitores volantes nunca foram tantos e tão determinantes como nesta eleição. Nas simulações de segundo turno, Jair Bolsonaro perderia para Ciro, Marina e Alckmin, mas o percentual dos que votariam em branco ou nulo e dos que não souberam responder ficou em 23%, na hipótese com Ciro e com Marina, e 27%, quando o oponente de Bolsonaro é Alckmin ou Haddad. O representante do PT é o único que aparece empatado com Bolsonaro, mas ele ainda não é oficialmente o candidato e não teve tempo de exposição oficial.
Quando a chapa do PT, na terça-feira, for definida, restarão apenas 26 dias para as eleições. O partido terá que correr na sua estratégia de transferência de votos. Enquanto isso, a campanha de Bolsonaro seguirá sem ele. Por enquanto, os representantes oscilam entre vários tons. Desde o “agora é guerra”, do presidente do PSL, Gustavo Bebianno, até as declarações mais amenas do general Hamilton Mourão, em Porto Alegre, no dia do atentado.
Quando falou no vídeo do senador Magno Malta, o candidato Jair Bolsonaro misturou no discurso Deus, pátria e família. Malta repetiu que Bolsonaro está em missão de Deus. Bolsonaro lembrou que era o dia 7 de setembro e que gostaria de estar no desfile militar no Rio de Janeiro. Como os eleitores reagirão a esses apelos é ainda uma incógnita.
O general Mourão define Bolsonaro como vítima de um crime político, de um atentado contra o Estado. A dúvida é se a campanha o apresentará como a vítima vingadora, numa guerra santa contra os “inimigos”, ou se haverá uma mudança no discurso para trazer mais seguidores para o seu grupo. O grande desafio de qualquer candidato, de direita ou de esquerda, é capturar parcelas mais ao centro. Lula conseguiu isso em 2002 e iniciou a sua escalada de popularidade.
Na pesquisa Ibope, a rejeição de Bolsonaro havia subido de 37%, em agosto, para 44%, em setembro. Na intenção de votos, ele oscilou na margem de erro, de 20% para 22%, mas o percentual dos que acham que ele vai ganhar subiu de 27% para 38%.
Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a era em que vivemos é de incerteza e falta de referências; de relações fluídas, voláteis, que escorrem pelos dedos. Nestes tempos líquidos, a um mês de uma eleição dramática, com um candidato na UTI, depois de um atentado, e outro impugnado dirigindo a campanha da prisão, nunca foi tão verdadeira a frase “tudo pode acontecer”.
O voto volante pode ser atraído por qualquer dos candidatos. Até parte dos eleitores que já têm candidato pode migrar, sem obediência aos compartimentos políticos definidos como esquerda, direita e centro. Isso tudo faz com que estejamos definitivamente numa eleição líquida.
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