- O Estado de S.Paulo
As contas em frangalhos dos Estados refletem o desequilíbrio entre as trajetórias de despesas e receitas
O governo divulgou o Plano de Estabilidade Fiscal (PEF) para socorrer Estados em crise fiscal. Batizado de “Plano Mansueto”, o crédito faz jus ao trabalho do secretário do Tesouro Nacional e sua equipe de técnicos, todos muito competentes e profundos conhecedores da deterioração fiscal que assola os entes subnacionais. Mais ainda, conhecedores também do caminho que os levou à atual situação.
O PEF não é exatamente uma novidade. Afinal, desde a década de 90 que Estados e municípios são sistematicamente socorridos pela União. Assunção de dívidas; novos empréstimos; mais empréstimos e ainda mais generosos; revisão do indexador das dívidas com a União (amparando os amigos do rei – ou da rainha, nesse caso); renegociação e repactuação dessas mesmas dívidas; distribuição de receitas extraordinárias para garantir pagamento de salários, e outras tantas ações que se sucederam para amenizar um crise que já se tornou antiga.
Junte-se a isso uma Suprema Corte camarada, que ignora os impactos do desrespeito a contratos e permite que garantias sejam desconsideradas e juros simples considerados, e temos aí os ingredientes de uma crise que também já se tornou crônica. Não é à toa que ações de socorro se tornaram corriqueiras como consequência da romaria de governadores a Brasília e que recomeça a cada novo mandato presidencial.
Por trás desse processo, está um desequilíbrio estrutural que precisa ser entendido e enfrentado. As contas em frangalhos dos entes subnacionais refletem o desequilíbrio entre as trajetórias de despesas e receitas que vem, há décadas, abrindo um fosso entre o que os Estados arrecadam e o que eles se comprometem a gastar.
Os Estados não estão quebrados em função do seu endividamento. Eles estão quebrados porque aumentaram suas despesas de pessoal de forma contínua, acelerada e crescente ao longo dos últimos anos, comprometendo parcelas cada vez maiores das suas receitas com despesas cuja rigidez é imposta por uma combinação de impossibilidade de demitir com expansão vegetativa dos gastos de pessoal, estes definidos por leis de carreiras cada vez mais benevolentes.
Para que a correção definitiva ocorra, os gestores locais devem adotar medidas de ajuste. Não é nem nunca será o governo federal o responsável por fazê-lo. E é por isso que, mesmo não sendo novidade nos objetivos, o PEF inova no ponto de partida e é isso que o torna diferente.
Os ajustes locais são o início – e não o fim – do plano. O socorro é consequência do ajuste, e não vice-versa, como nos casos anteriores. O PEF atua preservando a Capacidade de Pagamento (Capag) como a base do socorro aos Estados. A Capag teve sua credibilidade recuperada no biênio 17/18, quando o Tesouro Nacional atualizou seus conceitos e a fortaleceu como único critério possível para concessão de garantias. O PEF, ao exigir que ajustes sejam feitos na direção da recuperação do equilíbrio fiscal e ao condicionar desembolsos financeiros à aprovação e aos resultados desses ajustes, mantém a Capag no centro das decisões. Além disso, o socorro, antes generoso, está calibrado para funcionar como um fôlego e não como uma forma de empurrar o problema para o próximo governante.
Outras medidas saneadoras acompanharão o PEF como, por exemplo, a proibição de reajustes salariais que ultrapassem o mandato do governante que os concede – artifício populista usado e abusado nos últimos anos. Deveria também proibir concessão de auxílios e penduricalhos, que na prática atuam como aumentos salariais invisíveis para a Lei de Responsabilidade Fiscal, e exigir a revisão das leis de carreiras e a eliminação de dispositivos que geram o crescimento indiscriminado das despesas de pessoal. Todas prerrogativas do governador – e inevitáveis para os que de fato quiserem ter acesso a alívio financeiro relevante.
Mas já será um desafio garantir que o PEF seja mantido pelo Congresso Nacional conforme foi concebido. Afinal, que governadores estão gritando por socorro está claro. Que a União está mais uma vez amparando Estados que não fizeram o ajuste das suas contas, também. O que falta saber é se o PEF também ajudará a colocar os pés dos nossos governantes de volta no solo. Isso dependerá do Congresso e da sua quase incontrolável vontade de desidratar as boas soluções.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman
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