- Valor Econômico
Bolsonaro não tem compromisso com o erro
Na escola de formação, o soldado aprende que o erro, no limite, pode ser fatal. No mês passado, nove militares foram presos após disparar 80 tiros contra um carro em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro: o músico Evaldo Rosa, que conduzia a família para um chá de bebê, e o catador de material reciclável Luciano Macedo foram mortos. Ao pleitear a libertação dos militares, o Ministério Público Militar argumentou que, se soubessem que eram inocentes, não teriam atirado. Foi um erro trágico.
Nos anos 80, durante um treinamento de mergulho do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, o soldado Jair Bolsonaro buscava o primeiro lugar na prova de resistência: com dez quilos de chumbo amarrados à cintura, deveria manter-se na superfície por dez minutos. Contrariou ordens do instrutor para desistir, engoliu água, quase se afogou, mas terminou como primeiro colocado. Naquela circunstância, insistir mais uns segundos teria sido uma fatalidade.
Políticos experientes que acompanham o desempenho de Bolsonaro na chefia do Executivo afirmam que uma de suas virtudes é a falta de compromisso com o erro. Uma qualidade singular, já que soldados são treinados para não errar. Nas palavras de um decano do Congresso, Bolsonaro não hesita em recuar diante de uma falha grave, mas passível de retificação.
"Eu tenho que ser mais do que perfeito, eu tenho que ser sublime, senão tudo dá errado", desabafou no dia 2, em um evento no Planalto.
Bolsonaro discursou sob o olhar atento do ministro da Economia, Paulo Guedes. Subiu ao púlpito presidencial para se retratar de uma declaração de cunho intervencionista que afligiu os investidores na semana passada. Ele havia pleiteado ao presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, que reduzisse os juros para os produtores rurais.
Cerca de 24 horas depois, com Paulo Guedes no seu cangote (para usar uma expressão cara ao presidente), Bolsonaro ponderou que não tem poder de interferir em muita coisa, e nem quer. "Apenas dou sugestões e sugestão são como conselho, cada um cumpre se achar que deve cumprir". Um dia depois, reforçou o recado em um pronunciamento no rádio e na televisão: "o compromisso do meu governo é com a liberdade econômica".
Em outra correção de rumos, acatou os veementes apelos da ala militar de seu governo para rever a decisão de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Limitou-se a anunciar a abertura de um escritório comercial na cidade sagrada.
Agora as atenções se voltam para a reação presidencial diante da nova rodada de ataques de Olavo de Carvalho contra os militares, tendo como alvo preferencial o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz.
Entre tantos impropérios, o guru bolsonarista chamou o ministro de fofoqueiro, difamador e "bosta engomada". Insultos dirigidos a um dos generais brasileiros mais respeitados internacionalmente, que foi "force commander" das forças de paz da ONU no Haiti (Minustah) e no Congo (Monusco).
Bolsonaro tentou jogar água na fervura, mas o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas foi a público responder Olavo. Escreveu que o guru, em seu "vazio existencial", demonstra falta de princípios básicos de educação, respeito, humildade e modéstia ao atacar os militares e a instituição. Batizou Olavo de "Trótski de direita".
Olavo não se fez de rogado e rebateu o general, um dos mais respeitados por Bolsonaro e pelo corpo de oficiais, mas não usou os recorrentes palavrões: apenas postou um vídeo em que Villas Bôas cumprimenta o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, da gestão de Dilma Rousseff.
Mas se Villas Bôas falou grosso em nome do Exército, Bolsonaro apenas sussurrou. "Não existe um grupo de militares e de Olavos, tudo é um time só", tergiversou. Bolsonaro alegou que há uma guerra em curso, e os militares "estão preparados para a guerra".
De fato, a cúpula militar do governo está em pé de guerra com a chamada "ala ideológica" do governo, liderada por Olavo, a quem os oficiais mais indignados chamam de "anão da Virgínia" ou "Rasputin de subúrbio". O pano de fundo é o embate interno pelas verbas milionárias de publicidade administradas pela Secretaria de Comunicação (Secom), mas que é subordinada à pasta de Santos Cruz.
O general é considerado por seus pares a "barreira técnica e moral" contra as investidas do grupo de Olavo. O fato é que os alinhados ao guru presidencial vêm perdendo espaço no governo.
Inicialmente haviam pleiteado a Secretaria de Radiodifusão do Ministério de Ciência e Tecnologia, que acabou confiada a um militar: o coronel da reserva Elifas Gurgel do Amaral. Nos últimos dias, nomeou o almirante Sergio Segovia para a presidência da Apex, órgão que os olavistas não conseguiram manter.
Como no treinamento do curso dos bombeiros, Bolsonaro está com a água até o nariz no meio da guerra entre olavistas e militares. Tenta emergir apaziguando os dois lados porque precisa de ambos para governar. Mas só conseguirá manter o fôlego até um limite. Segundos a mais, perderá um quadro da estirpe de Santos Cruz, o que - no limite - poderá abrir uma fissura irrecuperável na ala militar, a coluna vertebral do governo.
"Roadshow"
Bolsonaro passou recibo dos problemas no programa Sílvio Santos de domingo. O apresentador o chamou de sortudo pela vitória na eleição. "Ser presidente é ter sorte, Sílvio? Tanto problema..." E a gravação ocorreu na quinta-feira, antes do novo bombardeio de Olavo contra os militares.
Bolsonaro fará um roadshow em programas populares da tevê brasileira. Hoje à noite estará no programa de Luciana Gimenez na Rede TV! E prometeu comparecer ao programa de Danilo Gentili no SBT. Depois de perder apoio nas classes mais baixas, o truque é o estilo simples para criar empatia. "Peço que nenhum oftalmologista opere suas cataratas porque ela me acha lindo", disse sobre a primeira-dama, Michelle. Aos 88 anos, Sílvio fez pilhéria: "não tenho catarata". O programa bateu recorde de audiência.
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