terça-feira, 7 de maio de 2019

Míriam Leitão: O diálogo que falta ao Censo 2020

- O Globo

Presidente do IBGE precisa dizer quais perguntas sairão do Censo 2020 e que redução de despesas isso trará

Há bons demógrafos e economistas na defesa de que o Censo tenha menos perguntas, mas não há até agora qualquer cálculo claro sobre que tipo de economia essa redução do questionário vai significar. Nesse assunto, está tudo muito confuso e opaco. A presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, precisa explicar o que pretende cortar do questionário e mostrar os cálculos da redução de despesas, que está sendo feita por ordem do Ministério da Economia. Sem isso, será um episódio de intervenção no órgão de estatística do governo.

O Brasil é imenso, o que custa caro é estar em cada ponto povoado do território, e não os minutos a menos ou a mais que o pesquisador ficará dentro da casa. O questionário longo, como todos que lidam com isso sabem, é para apenas 10% da população. O resto responde um número pequeno de perguntas.

Todas as vezes que um governo quis impor ao IBGE mudanças de cima para baixo errou. Na ditadura, houve uma tentativa de expurgo da inflação. Não adiantou, o índice subiu. Na governo Sarney, quando o cruzado fazia água, houve uma manobra clara de intervenção no cálculo de inflação, que foi derrotada pela reação do então presidente do Instituto Edmar Bacha. Em seguida, os ministros da Fazenda fizeram várias trocas de índices e, para azar deles, todas as vezes que havia a mudança o novo indicador era aquele no qual os preços subiam mais. Essa coincidência ficou conhecida como a maldição dos índices.

O governo anunciou um profundo corte orçamentário, ao mesmo tempo em que o ministro Paulo Guedes disse que tinha que reduzir o número de perguntas. Isso já é uma intervenção. Não é o ministro da Economia que deve dizer com quantas perguntas se faz um Censo. O IBGE tem um corpo técnico de qualidade. A única forma correta de a presidente Susana Cordeiro Guerra fazer essa alteração seria envolvendo os funcionários. Só com diálogo. Ontem, ela deu mais um passo para queimar as pontes, ao demitir dois diretores, como informou o colunista Bernardo Mello Franco. O de pesquisas, que trata exatamente do Censo, Cláudio Crespo, e o de informática, José Santana Beviláqua.

Tenho ouvido argumentos dos dois grupos. Do lado dos favoráveis ao corte, o argumento é que o assunto já estava em debate antes e que a sobrecarga sobre o entrevistador pode reduzir a qualidade da pesquisa. Do lado dos contrários ao corte, o argumento é que o tempo de 7 minutos para o questionário pequeno, e de 15 para o grande, não seria substancialmente reduzido com o corte de algumas perguntas. O longo, inicialmente, teria 112 perguntas. O corpo técnico sugeriu cortar para 96. Agora se fala em 70 perguntas. O que os funcionários dizem é que o encolhimento tem sido feito sem qualquer diálogo com os técnicos.

A restrição fiscal é real. Mas se o governo errar no Censo os custos se prolongam por uma década. Principalmente não se pode cortar questões fundamentais para as políticas públicas. Se houver, por exemplo, o corte da parte de educação, sob o argumento de que já existe o Censo Escolar, de que maneira se saberá a situação de quem não está na escola? O Censo Escolar pesquisa, como o nome diz, quem está incluído no sistema.

A esta altura do debate, a sociedade permanece às escuras, sem saber que perguntas estão sendo tiradas, que efeito fiscal terá esse corte, que prejuízo para o Censo isso vai significar. Uma questão dessa dimensão não pode ser feita de forma autoritária, sem que a presidente do IBGE explique de forma clara o que pretende fazer. Há funcionário do IBGE que não expõe com sinceridade o que pensa porque teme ser afastado das discussões, ou, como aconteceu ontem, demitido da função.

Não há mudança que traga um bom resultado se for feita de forma autoritária, de cima pra baixo. Após essa intervenção no Censo, qual será a próxima? A da Pnad Contínua, que mede desemprego, que o presidente Jair Bolsonaro critica sem ter entendido? O debate que estava havendo entre demógrafos poderia ter levado a um bom resultado se não tivesse sido atropelado pela ordem de corte no orçamento e nas perguntas. Da maneira como está sendo conduzido o Censo 2020, o dano pode ser alto para o país.

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