Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - Sob a hegemonia de João Doria, o PSDB escolhe hoje a nova direção nacional que deve pavimentar o caminho do governador de São Paulo à disputa presidencial de 2022. A velha guarda tucana assiste silenciosa aos movimentos de Doria, mas internamente foram criadas contenções para que o governador não domine de forma autoritária a legenda. A principal medida foi garantir a permanência de todos os ex-presidentes do PSDB na Executiva Nacional, o que é previsto pelo estatuto do partido: Geraldo Alckmin, José Serra, Tasso Jereissati, José Aníbal, Aécio Neves e Teotonio Vilela Filho. "Nenhum deles tem hoje simpatia por Doria", diz um integrante da executiva.
O ex-ministro e ex-deputado federal Bruno Araújo, pernambucano, assume a sigla, escolhido por Doria. Na semana passada, segundo relatos de tucanos ao Valor, Araújo manifestou claramente preocupações em ser identificado como linha de transmissão de Doria no PSDB e cogitou desistir da disputa.
Doria não aceitou a decisão e pressionou Araújo. Nos bastidores, o ex-ministro do governo Michel Temer teme um cenário futuro de conflitos com o governador e ressaltou a dificuldade de Doria em aceitar posições contrárias às suas. Bruno Araújo se recolheu nos últimos dias e pretende enfatizar, ao assumir o posto, que o PSDB não tem dono e não faz parte do governo de Jair Bolsonaro.
Não foi confirmada a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na convenção nacional do partido hoje. Lideranças tucanas reconhecem o protagonismo de Doria na atual conjuntura política, mas ressaltam a necessidade de preservar compromissos históricos do PSDB com a social-democracia.
"O PSDB, como outros partidos, não teve bom desempenho nas eleições passadas, o que nos leva a uma necessária reflexão. Por outro lado, o partido tem valores da social-democracia que não podem ser abandonados, ainda mais hoje no Brasil. São valores nas políticas sociais, na área da saúde, educação, assistência social, direitos humanos, que eu defendo. É um partido social-democrata, como diz o nome", enfatizou o senador Antonio Anastasia, ex-governador de Minas.
Anastasia sustenta que Doria, hoje, reencarna a expectativa de poder ao PSDB, o que lhe assegura um protagonismo político. "E os partidos vivem desta expectativa. Doria, por sua qualidade, sua competência, sua posição, tem essa possibilidade [de chegar à Presidência]", opinou.
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, afirma que a nova direção nacional do PSDB "vai ser representativa de todas as forças do partido, de todos os Estados, da bancada federal, prefeitos, como sempre foi". Covas admite que o governador de São Paulo é "a maior liderança hoje do PSDB" e por isso tem um peso grande nas definições do novo comando do partido.
"Não vejo nenhuma incompatibilidade entre o discurso do João Doria e a história do PSDB. O partido sempre defendeu privatizações, defendeu o controle de gastos. O PSDB sempre se comportou como partido de centro e é desta forma que vai continuar a se comportar sob a direção de Bruno Araújo", disse Covas.
Causou mal-estar em setores do partido a declaração recente do governador paulista de que não há espaço para a esquerda no PSDB, convidando os insatisfeitos a se retirarem do partido. Doria elogiou a abertura, pelo diretório municipal, de um processo de expulsão do sociólogo Fernando Guimarães, liderança do grupo Esquerda Pra Valer, criado na década de 90 quando os tucanos debatiam a aliança com o então PFL.
A razão seria a participação de Guimarães no fórum Direitos Já, suprapartidário, com presença de petistas. O próprio sociólogo define o grupo como um "campo progressista de diálogo e atuação na sociedade civil em defesa dos valores fundamentais expressos na Constituição ameaçados pela agenda do governo Bolsonaro".
Guimarães, filiado ao PSDB há 30 anos, não foi oficialmente notificado sobre o processo de expulsão. Ele vê nas declarações de Doria uma tentativa de mandar recados aos integrantes históricos do partido que abertamente defendem pautas progressistas.
"Doria emite sinalizações contraditórias quando busca semanticamente se posicionar como centro. É evidente que nisso tem uma estratégia eleitoral. Aquele que se afirma de centro tem maior possibilidade de agregar eleitores de centro-esquerda e centro-direita", diz o sociólogo.
Guimarães, que começou a cultivar a admiração por Franco Montoro e o PSDB aos 9 anos de idade, diz que o governador de São Paulo "trata o PSDB como se fosse uma empresa dele". Como estadista, acrescenta, Doria deveria ter interesse em abrir o diálogo com o fórum Direitos Já, e não demonizar a iniciativa.
Para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite - outra liderança que permanece no radar tucano para disputas eleitorais futuras -, o que Doria rechaça é que o PSDB cultive conceitos extremos de esquerda, sobretudo em relação ao papel preponderante do Estado na economia. "Acho que, de fato, para isso, não há espaço dentro do PSDB", diz Leite.
"O PSDB, como social-democrata, deve compreender a iniciativa privada com um papel relevante, e o governo, na área econômica, reduzindo seu papel, mas não deve ser eliminado. Não há espaço para uma esquerda para valer, mas também não há espaço para o liberalismo absoluto", defende o governador do Rio Grande do Sul. Leite prega que o PSDB se diferencie da esquerda nas pautas econômicas, mas defenda a "diversidade, inclusão social, agenda de tolerância, de busca pela igualdade entre as pessoas e de gênero." "O PSDB precisa trabalhar esses temas."
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