- Época
Mas método sem loucura é apenas a repetição do mantra “reforma da Previdência, ommm”.
Nem todas as respostas para as perguntas desta vida se resumem à urgência da reforma da Previdência, assim como nem todas as respostas às perguntas sobre os problemas do Brasil deveriam gerar repetecos pelo temor de acusações e de tentativas de constranger quem faz as perguntas. Se algum dia não tivéssemos posto em prática a loucura com método, a vontade de testar limites dentro das restrições existentes, o Brasil provavelmente ainda padeceria de hiperinflação e outros males. Ou teria se tornado uma economia com alto grau de dolarização, com os inúmeros problemas que isso nos traria, como se pode testemunhar com o drama da Argentina. O Plano Real, que em breve completará 25 anos, nasceu dessa loucura metódica. Perdemos a capacidade de pensar dessa maneira depois que Dilma Rousseff e Guido Mantega nos trouxeram a loucura sem método, ainda que tenham sido motivados por dar impulso à economia num momento externo turbulento. Loucura sem método, como a nova matriz econômica, não funciona.
Portanto, a vocês, leitores, ofereço esta semana uma lista no lugar de um artigo. Trata-se de lista de perguntas que tenho me feito todos os dias, algumas das quais têm me levado à loucura, sempre com método. Tratei um pouco disso no artigo publicado no site de ÉPOCA em 24 de maio. Aqui estão:
1. O Brasil quase não cresce há três anos, após a Grande Recessão de 2015-2016. Será que o país atravessa uma espécie de estagnação secular, em que a produtividade não deslancha, as tendências demográficas são adversas e a demanda permanece deprimida sem alguma força que a empurre? A taxa de fertilidade no Brasil é menor do que a dos Estados Unidos, país onde o debate sobre estagnação está a todo vapor. Essa pergunta interessa para que possamos pensar em políticas que destravem o crescimento de longo prazo. E, não, a resposta única não é o mantra. A resposta passa por vários temas que temos de desenvolver, o principal deles sendo a qualidade da educação.
2. Por que um país que cresce tão pouco continua a ter inflação anômala para as taxas de expansão observadas? A inflação hoje está em 4,9%. O Focus, a pesquisa do Banco Central junto ao mercado, projeta-a em cerca de 4% para este ano. Contudo, 4% é muito para um país que não cresce quase nada. Poderia a inflação ser, em parte, o resultado do nó górdio causado por juros altos que pressionam o déficit nominal, embutindo riscos na formação de preços que impedem a inflação de ceder? Recentemente, o economista André Lara Resende, um dos principais formuladores do Plano Real, fez pergunta semelhante, com a finalidade de instigar o debate, apenas para ser duramente rechaçado. Há tipos de perguntas que a intelligentsia nacional não se permite fazer. Mas é curioso que essa pergunta, na realidade, seja mais ou menos o corolário de outra:
3. Por que as taxas de juros no Brasil, considerado o nível de atividade, ainda são tão altas? Verdade que no momento estão um pouco mais baixas, mas para o tomador de crédito segue a anomalia. Essa pergunta já foi feita por diversos economistas, sem que ninguém tenha chegado a uma conclusão satisfatória. Será que a falta de uma resposta reflete premissas equivocadas que já não funcionam para entender o Brasil? Apenas pergunto, na esperança de que alguém tenha a coragem de tomá-la como tema de pesquisa com rigor e método. Quiçá eu mesma.
4. Para que estamos guardando tantas reservas internacionais se já não temos riscos externos relevantes? Há quem ainda não entendeu que, embora as reservas sejam um seguro, isso não significa que o seguro deveria nos proteger de todas as contingências imagináveis, inclusive as que dificilmente ocorrerão, como uma crise de balanço de pagamentos sem dívida externa significativa, com déficit em conta-corrente de cerca de 1% do PIB e com dívida soberana em moeda local. A atitude refratária à venda de parte das reservas equivale a pagar sinistros absurdos para assegurar-se de que seu carro jamais sofrerá um arranhão. Não parece razoável.
5. Por que não podemos usar uma parte das reservas para abater parte da dívida soberana? Ou para dar respaldo a linhas de crédito para investimentos públicos e privados compatíveis com a sustentabilidade ambiental, injetando força na demanda enquanto criamos nosso próprio plano de desenvolvimento verde? Pretendo elaborar essa última ideia em breve.
Enquanto isso, divirtam-se com o quebra-cabeça. Mas lembrem-se: loucura com método, sempre.
*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
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