Até um voo de galinha, um crescimento sem fôlego, seria bem-vindo num país assolado pelo desemprego, mas nem isso os desempregados, subempregados e desalentados tiveram no primeiro trimestre do novo governo, quando a economia encolheu 0,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade continuou fraca em abril e em maio, desanimando empresários e consumidores e derrubando as previsões para este ano. Até o governo cortou sua previsão. Com a confirmação oficial do péssimo começo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou sobre a liberação de dinheiro do PIS-Pasep e do FGTS. Um sinal, enfim, de um empurrãozinho nos negócios e no emprego? Nada disso, por enquanto. Só depois de aprovada a reforma da Previdência, disse o ministro. Se essas torneiras forem abertas “sem as mudanças fundamentais”, explicou, o resultado será um voo de galinha. E os vinte e tantos milhões de desocupados e marginalizados do mercado de empregos?
Terão de esperar, porque o ministro e seus colegas de governo parecem pouco preocupados com essa gente. Ou, no mínimo, pouco atentos a detalhes do dia a dia, como as condições para comprar comida, remédios, sabonetes e também passagens para ir em busca de ocupação ou até a uma entrevista de emprego.
Tudo se passa, em Brasília, como se só o longo prazo importasse. De fato, crescimento duradouro só se alcança com previsibilidade, confiança, investimentos produtivos, educação e treinamento. A reforma da Previdência é importante para criar um horizonte mais claro. Mas as pessoas precisam comer no curto prazo. Além disso, até um voo de águia depende de um impulso inicial.
Por que deixar esse impulso para depois de aprovada a reforma? Para manter a sensação de urgência, como se os mais de 13 milhões de desempregados e milhares de empresários em risco de quebra fossem usados como reféns?
Nem mesmo um pequeno impulso moveu a economia nos primeiros três meses. Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,2% menor que nos meses de outubro a dezembro de 2018, quando a produção, já se arrastando, avançou apenas 0,1%. Os sinais de otimismo em relação ao novo governo logo se dissiparam.
O presidente se manteve ocupado com estranhas prioridades, como armas e mudança da embaixada em Israel. Ministros se atropelaram ou se meteram em confusões, faltou coordenação no Executivo, a base parlamentar falhou e a equipe econômica se concentrou em assuntos de longo prazo, como se o País, sem milhões em condições dramáticas, pudesse esperar as grandes mudanças institucionais.
Sem recursos e sem confiança, as famílias consumiram apenas 0,3% mais que no trimestre final de 2019. Consumidores em condições melhores poderiam ter dado um impulso a mais à produção. Nesse quadro de estagnação interna e exportações travadas, a indústria de transformação produziu 0,5% menos que no trimestre imediatamente anterior. Poderia ter tido um desempenho muito melhor, sem dificuldade, porque o setor trabalha com cerca de 30% de capacidade ociosa. Poderia também ter oferecido mais empregos – e empregos formais.
Com ampla capacidade ociosa, o setor empresarial teria pouco estímulo para investir em máquinas, equipamentos e obras, especialmente diante de um horizonte opaco. O governo, sem dinheiro e enrolado em confusões, pouco poderia contribuir para a formação de capital fixo. Somados esses fatores, o investimento foi 1,7% menor que no trimestre final de 2019. Investir em infraestrutura será crucial para um crescimento duradouro, mas para isso será preciso avançar em licitações e em mobilização de capital privado.
A aprovação da reforma da Previdência, embora essencial, será insuficiente para prover o impulso necessário à movimentação da economia. Ao anunciar a liberação de recursos para as famílias, o ministro Paulo Guedes parece endossar esse ponto de vista. Seria melhor – e mais humano – antecipar esse impulso. Além disso, o presidente ajudará se der atenção às questões mais prementes, parar de agir por impulso, deixar as picuinhas, tuitar menos e começar a governar para todos os brasileiros.
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