- Valor Econômico
Secretário põe a Comissão de Ética Pública em evidência
Não fica claro que pontes de diálogo o secretário especial de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, vê “explodidas” com veículos de comunicação após reportagem da “Folha de S. Paulo” ter revelado que ele, funcionário do primeiro escalão do Palácio do Planalto, detém 95% das cotas de uma empresa que faz negócios e ganha dinheiro de emissoras de televisão e agências contratadas por órgãos da administração pública federal. Num governo em que boa parte dos integrantes despreza, desrespeita, hostiliza e desqualifica o jornalismo profissional e o trabalho da imprensa, dia sim e outro também, Wajngarten deve ter a ciência, melhor do que ninguém, da impossibilidade de buscar diálogos em campos que seu chefe insiste em minar.
Celso Bandeira de Mello usou a expressão “pedras de toque” para definir princípios basilares do direito administrativo. A noção de conflito de interesse, para quem se dispõe a entrar na administração pública, seria uma dessas pedras de toque, apropriando-se da definição. É aquele assunto recorrente, que no Brasil é ignorado por parte expressiva (sem generalizar) dos políticos, do funcionalismo público e da população: a dificuldade de se entender que não se faz negócio privado na esfera pública. Para ficar claro: não se usa o Estado (o público) ao bel prazer do indivíduo (o privado). A miopia - na maioria das vezes proposital - dos agentes públicos para enxergar com clareza o conceito de conflito de interesses é recorrente e não um privilégio de integrantes do governo de Jair Bolsonaro.
Chama a atenção o fato de Wajngarten, em sua defesa, ter citado a Lei 8.112/90 que, segundo a Secretaria de Comunicação (Secom), “define as regras para o exercício de cargo público e seus impedimentos” e “determina que ao ocupante de cargo público basta se afastar da administração, da gestão da empresa da qual é acionista”, para exercer a função pública. Em nenhum momento o secretário menciona a existência da lei posterior e específica, de 2013, a Lei 12.813, que “dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego”. A legislação citada pela Secom trata do Regime Jurídico Único, é o estatuto servidor público federal, concursado. Não cabe, portanto, invocar tal lei quando se trata de cargo de confiança, de acordo com o ex-presidente da Comissão de Ética Pública (CEP), Mauro Menezes.
A lei que aborda o espinhoso tema do conflito de interesses e tráfico de influência concretiza, na opinião de Menezes, os princípios da Constituição, da impessoalidade, moralidade e da transparência (publicidade) no exercício do poder público. “O que se espera do agente público é que, ao ingressar na função pública, expresse quais são seus entendimentos, seus vínculos societários, familiares ou pessoais que possam afetar, e de certa forma gerar, potencial conflito de interesses”, explica.
As duas linhas de defesa apresentadas pelo secretário de Comunicação são frágeis. A primeira é que os contratos da FW Comunicação e Marketing são muito anteriores à sua entrada no Planalto. A segunda é que, ao se afastar da administração da empresa, blindou-se de potenciais conflitos de interesses. Menezes, que chefiou a CEP de março de 2016 a março de 2018 (governos de Dilma Rousseff e Michel Temer), explica que “contratos com o poder público não merecem controle legal apenas no momento de assinatura; contrato prévio não significa contrato intocável”.
A secretaria comandada por Wajngarten define políticas de comunicação, distribuição de verbas publicitárias a veículos de imprensa e tem ingerência em contratos de propaganda de órgãos federais. Não é devaneio, má fé, ou ilação leviana dizer que se trata de situação anômala e que pode provocar, no mínimo, um desequilíbrio concorrencial. Afastar-se da administração da empresa não dirime potenciais conflitos de interesse. Dono de 95% das cotas, também não é devaneio dizer que Wajngarten é a empresa e recebe por contratos.
Em momentos assim, é sempre bom invocar o passado. Como o próprio Mauro Menezes cita, a CEP examina não só casos patológicos, mas também virtuosos. Vejamos: Ilan Goldfajn, em 2016, alienou sua participação acionária no Itaú Unibanco para assumir a presidência do Banco Central. Na Fazenda, o milionário Henrique Meirelles, também no governo Temer, nomeou um “blind trust” para gerir seu dinheiro em fundos. Márcio Thomaz Bastos, no governo Lula, vendeu as cotas que tinha no escritório de advocacia ao assumir o Ministério da Justiça.
O compromisso com a transparência e a ética pública traz benefício a qualquer governo. Omissões são fontes potenciais de crise. Em 2013, um então diretor da Agência Nacional de Saúde, Elano Figueiredo, foi obrigado a renunciar ao mandato. Ao ser sabatinado no Senado, Figueiredo não considerou importante citar que fora advogado, ao longo de anos, de empresas de planos de saúde. Na ANS, tinha como missão fiscalizar as empresas a quem serviu. O ministro da Saúde à época, o petista Alexandre Padilha, fez uma defesa enfática do diretor, mas não conseguiu segurá-lo no cargo.
O caso de Wajngarten coloca em evidência a dinâmica da própria Comissão de Ética Pública, que tem dado pouca transparência a processos que tramitam no colegiado. Notas à imprensa, publicação de atas na íntegra e entrevistas coletivas são práticas que não mais existem, assim como Bolsonaro suspende entrevistas quando questionado sobre o que não quer responder e Wajngarten evita perguntas de jornalistas. O atual presidente da CEP, Paulo Lucon, foi signatário de manifesto de juristas em apoio a Bolsonaro na eleição de 2018. Seria absolutamente legítimo, desde que não presidisse o colegiado. Estão sob análise da CEP questionamentos de condutas dos ministros Paulo Guedes (Economia), Abraham Weintraub (Educação) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) - isso para citar só o primeiro escalão. Na reunião do dia 28, o colegiado que fiscaliza a alta administração pública terá muito trabalho a fazer.
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