- Valor Econômico
Caminho pela frente não comporta nem euforia nem depressão, mas persistência nas reformas e no mix da política econômica com ênfase no rigor fiscal e no afrouxamento monetário
Sobre a direção, não há muitas dúvidas: o país vive um momento de recuperação cíclica da atividade econômica. Quanto à velocidade, há divergências. Com o carregamento estatístico de 1% já garantido, as expectativas giram entre pouco mais de 2% de crescimento do PIB este ano e algo mais próximo a 3%. Os indicadores decepcionantes de novembro e dezembro de 2019 não afetam os prognósticos para 2020. A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, crava 2,2% de expansão da atividade econômica para 2020 calcula 1,2% para o ano passado. Carlos von Doellinger, presidente do Instituto de Economia Aplicada (Ipea), arrisca um resultado melhor, mais perto de 2,7%.
Ambos asseguram que o país está em recuperação cíclica, com volatilidade nos indicadores. O último trimestre de 2019 deverá trazer um crescimento de 0,6% a 0,7% sobre o período anterior, quando a expansão foi de 0,6%. Quem esperava uma aceleração se frustrou, sobretudo pelo comportamento da indústria de transformação, muito dependente do setor automobilístico, que teve uma “ressaca”, avaliam.
Falar em política industrial, agora, é “palavrão”
Novembro e dezembro foram “um soluço que não compromete o futuro”, garante Doellinger.
Pelo lado da oferta, portanto, há sinais positivos vindos da agropecuária, da construção civil e da recuperação da indústria extrativa, que teve queda em 2019, decorrente do desastre na barragem da Vale em Brumadinho (MG), juntamente com uma esperada reação da indústria de transformação.
O IBC-Br, divulgado ontem pelo Banco Central, mostra um alento. O índice, que é uma proxy do Produto Interno Bruto (PIB), apresentou em novembro expansão de 0,2% na comparação mês contra mês e de 1,1% ano/ano. A expectativa de mercado era, respectivamente, de zero e 0,9%.
Foi o BC que alertou a área econômica, no fim do ano passado, para a piora dos indicadores em novembro e dezembro.
Neste ano, pela ótica da demanda, o grande protagonista é o consumo das famílias, que deve crescer 2,6% em comparação com 2% no ano passado, de acordo com a economista do Ibre.
O desempenho dos investimentos vai depender da contabilização da importação de plataformas de petróleo. A expectativa do Ibre é de uma expansão de 4,1% em 2020, contra cerca de 3,3% em 2019.
Silvia Matos chama a atenção para o papel positivo que a inflação teve no poder de compra das famílias, que se somou ao saques do FGTS. O Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) foi de somente 0,5% acumulado de maio a outubro do ano passado. Metade, portanto, da inflação de novembro e dezembro. Esse é um efeito que não deve se repetir neste exercício.
A recuperação do PIB continua sendo sustentada pelo consumo das famílias, impulsionado pela liberação do fundo de garantia e pelo aumento da oferta de crédito, na esteira da flexibilização das condições monetárias. A perna do investimento privado, que deveria ser o motor da atividade nessa fase do ciclo econômico, permanece fraca.
O investimento público está sob forte restrição fiscal.
“Os investidores tanto estrangeiros quanto os nacionais estão esperando mais para crer”, diz o presidente do Ipea. Ele ressalta a queda do investimento estrangeiro direto (IED) no ano passado como expressão das expectativas ainda não satisfeitas. Exemplo: o manicômio tributário em que vive o país à espera de uma reforma dos impostos; e a abertura comercial, que é uma agenda que ainda não se moveu a contento. Esses são dois sinais importantes para quem está à espera de mais avanços nas reformas antes de colocar as mãos no bolso.
“Estamos defasados em tecnologia”, salienta Doellinger, lembrando que esse é um problema estrutural da indústria que terá que ser solucionado pelo mercado. Política industrial, para este governo, é “palavrão”, diz ele.
A economista do Ibre ressalta que a expansão da atividade econômica seguirá “devagar e sempre, sem milagres, sem bala de prata”.
O presidente do Ipea está um pouco mais otimista. Ele avalia que o crescimento de 2,5% em 2020 já é um “resultado garantido”, a não ser que aconteça algum choque imprevisto. Ele, no entanto, acredita que o PIB poderá crescer um pouco mais, apostando em 2,7%.
Silvia Matos não mudou seus prognósticos para a evolução da atividade econômica neste ano. Para ela, o crescimento econômico só será forte quando mostrarmos “eficiência”, com ganhos de produtividade. Isso dependerá da capacidade da economia local se modernizar, adquirindo maior densidade tecnológica, avançar bastante no quesito educação e enfrentar as tremendas falhas da infraestrutura e da logística.
Para o mercado de trabalho, os prognósticos são de um crescimento mais lento da população ocupada, redução da taxa de desemprego e elevação dos ocupados na formalidade acima dos informais e aumento da renda média, segundo o boletim do Ibre de dezembro.
Há, portanto, um longo caminho pela frente que não comporta nem euforia nem depressão, mas persistência nas reformas e no mix da política econômica com ênfase no rigor fiscal e no afrouxamento monetário, com a queda dos juros ao seu menor nível histórico.
O temor é de que uma eventual fraqueza dos indicadores macroeconômicos, diante das expectativas crescentes, leve a um desalento do país que venha a mudar a composição da política econômica em curso. Ou, nas palavras de Silvia Matos, “o risco é o de [a classe política] não perseverar e o populismo vencer”.
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